Eu acordei com uma música maravilhosa na minha cabeça. Fui até o piano e comecei a achar as notas. Tudo seguiu uma ordem lógica. Gostei muito da melodia, mas, como havia sonhado com ela, não podia acreditar que tinha escrito aquilo. Foi a coisa mais mágica do mundo.
É dessa maneira que Paul McCartney explica a criação de Yesterday, 45 anos atrás. A canção até hoje figura no livro Guinness dos Recordes como a música que ganhou o maior número de versões cover na história, por volta de 3 mil.
Deixando um pouco de lado a necessária dose de genialidade para a composição de um clássico dessa magnitude, sobram questionamentos sobre se o que aconteceu com o sonho do Beatle foi uma obra do acaso, uma predisposição genética ou uma técnica que pode ser decifrada e difundida. E hoje, como nunca antes, os cientistas se debruçam sobre os meandros do que acontece conosco enquanto dormimos, tentando descobrir seu mistério e, quem sabe, ajudar algum compositor dormi-nhoco a escrever uma nova Yesterday.
É fato que os sonhos sempre intrigaram e foram objeto de estudo, mas o que está acontecendo agora é que eles estão sendo levados mais a sério por neurologistas, psicanalistas e biólogos. Enquanto a biologia procura explicar quais são as estruturas cerebrais envolvidas, a psicanálise se põe a investigar seu conteúdo. Da união dessas duas disciplinas nasceu a neuropsicanálise, uma tentativa de entender os aspectos físicos e psíquicos do sonho.
Nos últimos 50 anos, apesar de a ciência entender cada vez mais como nosso cérebro funciona quando estamos dormindo, os sonhos foram tratados como um subproduto do sono. Em 1983, o britânico Francis Crick, famoso por descobrir a estrutura do DNA, e seu colega Graeme Mitchison publicaram um trabalho afirmando que os sonhos funcionavam como uma espécie de lixeira virtual, descartando todas as memórias inúteis acumuladas durante o dia. Era o ápice da negação aos estudos do austríaco Sigmund Freud (1856-1939) – pai da psicanálise e autor de livros como A Interpretação dos Sonhos -, que ocorria desde o começo da década de 50.
Os estudos que vêm sendo publicados desde a virada do milênio e os novos livros programados para chegar às prateleiras neste ano reabilitam os pensamentos de Freud. Para ele, as imagens duran-te o sono simulavam nossos desejos e nos protegiam contra a dor e os traumas passados. Essas pesquisas também defendem a utilidade dos sonhos em ajudar a resolver problemas do cotidiano e organizar ideias, como aconteceu com McCartney.

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