O
assunto mais comentado desses últimos dias, infelizmente, foi a situação de
catástrofe ambiental na região amazônica. Sim, não dá para usar uma palavra
mais suave para os incêndios florestais que não tenha essa magnitude. Os
efeitos dessas queimadas serão sentidos ao longo dos anos e, sem exagero, pelo
mundo todo.
No
centro de toda essa discussão estão os incêndios, claro, mas sobrou também para
os cientistas e técnicos que monitoram a situação da floresta, em especial o
pessoal do Inpe. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais é um instituto de
pesquisas vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, Inovações e
Comunicações que atua em vários campos de pesquisa, inclusive astrofísica.
O
Inpe é também responsável pelo monitoramento das diversas regiões do país a
partir de imagens de satélites. De vários satélites! Desde 1998 o Inpe produz
mapas da região amazônica revelando as áreas desmatadas, tabulando as
estatísticas que permitem quantificar o ritmo do desmatamento, através do
projeto chamado Prodes.
Este
projeto avalia ano a ano a evolução da derrubada de árvores a partir da medida
da área desmatada. Para fazer isso, o Prodes usou durante muito tempo as
imagens do satélite Landsat 5 que tinha resolução típica entre 20 e 30 metros.
Isso significa que de sua órbita, a 750 km de altura aproximadamente, o Landsat
conseguia distinguir estruturas com pelo menos 20-30 metros de tamanho. Uma
região fotografada pelo satélite era revisitada 16 dias depois, quando uma nova
imagem era obtida. As imagens do território brasileiro são captadas por uma
antena do Inpe em Cuiabá desde a década de 1970, o que forma um acervo
gigantesco da ação humana no meio ambiente ao longo de mais de 3 décadas
ininterruptas.
O
Landsat produz imagens em várias bandas (ou “cores”) que permitem avaliar não
apenas o grau de desmatamento, mas também que tipo de desmatamento ocorreu, se
foi raso, quando se elimina toda a vegetação para plantar uma cultura como soja
por exemplo, ou para criar pastagens para a criação de gado.
O
Prodes também conta com imagens de satélites da Índia, Reino Unido e de
satélites do projeto sino-brasileiro CBERS. Esse projeto, aliás, foi um marco
tecnológico importante para o país, pois associou o Inpe aos cientistas
chineses no desenvolvimento de tecnologia espacial, com foco em sensoriamento
remoto, uma das especialidades do instituto. Nesse campo do conhecimento, a
expertise do Inpe é referência internacional. A área de sensoriamento remoto
envolve centenas de pessoas, desde estudantes de pós-graduação a pesquisadores
que desenvolvem programas para análise e interpretação das imagens, cruzando
dados dos diversos satélites do projeto.
Além
do Prodes, o Inpe também gerencia o Deter, um programa de monitoramento em
tempo quase real e resposta imediata a ações de desmatamento. O Prodes tem o
objetivo de monitorar e computar estatísticas com o intuito de se construir um
cenário mais amplo. O Deter foi desenvolvido como um sistema de alerta para dar
suporte imediato aos órgãos de controle e supervisão ambiental, como o Ibama,
por exemplo. Com esse objetivo, o programa consegue fornecer, em tempo quase
real, informações úteis para a análise de desmatamentos e alterações da
cobertura vegetal, com área mínima de 1 hectare, o equivalente a área de um
campo de futebol oficial, mais ou menos.
O
Deter também faz uso de imagens do CBERS-4, o satélite da colaboração
sino-brasileira, o que significa que são usados tecnologia e know-how brasileiros, além de outros satélites de
outros países. Com a combinação de imagens de todos os satélites do programa, é
possível ter um acompanhamento praticamente diário da região amazônica,
excluindo claro os períodos em que o tempo nublado impede as observações. Além
disso, a análise das diferentes cores das imagens permite que se saiba que tipo
de desmatamento foi feito na região, se o intuito da derrubada é expor o solo
para mineração ou plantio de outra cultura, se é para exploração madeireira ou
se houve degradação da mata através de queimadas para “limpar” o terreno.
Os
dados do Deter mostram um aumento gritante nas 3 categorias acima, mas
principalmente no número de focos de incêndio desde o início do ano.
Especialistas apontam que o relaxamento na fiscalização e, principalmente, nas
autuações pelas atividades irregulares fez com que madeireiros, fazendeiros e
empresas de garimpo aproveitassem para limpar áreas imensas de mata para uso
futuro. Por especialistas, entenda pesquisadores de diversas áreas que conhecem
bem as atividades da região.
Infelizmente,
o que vimos foi o governo atacar o Inpe na pessoa do seu diretor, acusando-o de
estar a serviço de ONGs internacionais, ou de dar suporte a interesses
externos. O agora ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão foi meu professor na USP e
todos que o conhecem sabem que essa hipótese é mais absurda do que a Terra
plana. Não foi à toa que em rede nacional ele defendeu o Inpe, seus
pesquisadores, funcionários e estudantes, pondo fim ao seu mandato. Não há a
menor chance dessas acusações passarem perto da realidade.
Já
o Ministério do Meio Ambiente pôs em dúvida os dados e a análise dos mesmos,
prometendo contratar uma empresa para fornecer imagens com resolução da ordem
de 2-3 metros para monitoramento e, com isso, fazer um levantamento mais
confiável. Ter uma resolução desta ordem é bacana mesmo, ver detalhes na
superfície do tamanho de um carro é legal, mas tem um custo. E alto.
As
imagens do Prodes e Deter são de “graça”, isto é, são compartilhadas pelas
agências espaciais, ou mesmo empresas particulares através de acordos
internacionais que prevê o pagamento com serviços e/ou a troca de informações.
Por exemplo, o Inpe possui um centro de rastreio de veículos espaciais, com
antenas em Cuiabá – MT, São José dos Campos – SP e Alcântara – MA. Por meio de
cooperações internacionais, essas estações dão apoio logístico no
acompanhamento de satélites ou qualquer dispositivo no espaço que necessite
monitoramento.
Mas
as imagens de alta resolução não são de graça, pelo contrário, são bem caras. E
não há necessidade para esse gasto todo. É uma questão simples de resolução.
O objetivo do monitoramento é acompanhar o desmatamento de grandes áreas de floresta. Áreas tão grandes quanto vários campos de futebol, ou vários hectares de mata. Isso traz impacto ambiental, derrubar poucas árvores em face da imensidão da Amazônia é irrelevante para o contexto geral.
Mais ainda, não se trata de espionagem, saber se um carro está estacionado irregularmente, ou se uma árvore só foi cortada. Isso é o que essas imagens de alta resolução são capazes de mostrar. Além disso, as árvores da região amazônica têm copas que podem chegar a 20 metros de diâmetro, serão necessárias pelo menos 10 imagens em sequência para se conseguir a situação de uma única árvore! A que custo? Imagine mapear 5,5 milhões de quilômetros quadrados!
Você
mesmo pode fazer um teste. Abra o Google Maps e avance até ver sua rua,
distinguindo os telhados das casas e os carros. Com essa resolução, que deve
estar na casa dos 10-20 metros, tente “mapear” a sua cidade. Tente localizar
algum ponto em outro canto da cidade. É isso que se planeja fazer com a
floresta amazônica. Tente imaginar quanto tempo vai levar para que se obtenha
uma imagem de uma região já sobrevoada para avaliar se ela foi desmatada ou
não. Ou qual vai ser o custo de um mapeamento desses.
Todas as imagens do Deter e Prodes estão abertas para quem quiser pegar. Basta acessá-las, se você duvida do eu digo, do que disse o Galvão, vá lá no site do Inpe e tire suas dúvidas. Simples assim.
Fonte: G1 ||