Uma combinação perigosa ameaça a indústria brasileira e pode jogar por terra o êxito de importantes acordos internacionais de comércio que vêm sendo firmados de forma positiva e promissora para o país. A receita para a perda da competitividade do setor produtivo nacional decorre da danosa sinergia que une o que batizamos de “custos ocultos” – uma infinidade de normas e obrigações que só existem no Brasil – e a eventual redução unilateral das tarifas dos impostos incidentes sobre as importações, cuja possibilidade vem sendo aventada de modo extemporâneo e inoportuno. É preciso deixar claro: a abertura comercial é necessária, sim, mas sua implementação exige cuidados.

É preciso considerar o recente acordo Mercosul/União Europeia, assinado em julho passado, englobando 32 países dos dois blocos, e o possível acesso do Brasil à OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Esses são movimentos que sinalizam enfaticamente que o país se abre e se integra cada vez mais ao comércio global. E o faz da forma mais saudável possível, por meio de acordos que consideram os reais interesses do país, de sua economia e de suas empresas. Por conta deste novo cenário, diversos países importantes no comércio global têm procurado o Brasil e o Mercosul, expressando interesse em negociar acordos semelhantes, que agora podemos tratar em condições mais vantajosas e soberanas. É absolutamente desnecessária, portanto, a redução unilateral das tarifas, que só prejudica o país e suas empresas.

De fato, após o entendimento com o bloco europeu, o Mercosul já assinou mais um importante acordo com os países da Área Europeia de Livre Comércio (Islândia, Suíça, Noruega e Liechtenstein). Além disso, em estágio avançado de tratativas e com perspectivas de fechamento já no próximo ano estão as negociações com México, Canadá, Coreia do Sul e Singapura – todos de grande relevância no comércio mundial. E, em estágio preliminar ainda, mas com perspectivas igualmente promissoras, estão as negociações com os Estados Unidos e o Japão.

Ao contrário desse caminho saudável e promissor de acordos em bloco ou bilaterais, no processo unilateral de redução de tarifas, o país que o adota, sem ganhar nada em troca, abre mão de defender os interesses de sua economia e de suas empresas, desiste de conquistar fatias importantes nos grandes mercados mundiais e, no extremo, entrega o seu próprio mercado aos produtos estrangeiros.

Na verdade, contrariamente ao que se propaga, o grau de abertura comercial da economia brasileira é muito expressivo. Atualmente, 22,4% dos produtos consumidos no país são importados, assim como 27% dos insumos utilizados pela indústria nacional. Nesse contexto, não faz nenhum sentido reduzir unilateralmente as tarifas de importação, especialmente considerando o crescente interesse de países de todas as partes do mundo em firmar acordos com o Brasil.

Estudo realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) adverte que, até 2022, o corte repentino de 50% no imposto de importação – este é o percentual proposto pelo Brasil à Argentina, Paraguai e Uruguai, seus parceiros no Mercosul – reduzirá o PIB de, pelo menos, 10 dos 22 setores da indústria brasileira. São evidentes e intensos, portanto, os impactos sobre a retomada do crescimento econômico e sobre a geração de empregos, o que é dramático em um país com mais de 12 milhões de desempregados. A redução unilateral e abrupta das tarifas de importação pode até mesmo quebrar setores menos competitivos da indústria. Ao contrário, com os acordos comerciais já assinados e os que devem ser firmados em um futuro próximo, as empresas ganham prazos de até dez anos para se adequarem ao livre comércio.

Outro argumento que desaconselha a redução unilateral de tarifas é a situação das empresas brasileiras, sufocadas por “custos ocultos” – na verdade, “impostos ocultos” – que só existem no Brasil. São encargos e obrigações acessórias, cotas de aprendizes e treinamentos, autorizações, licenças e outorgas ambientais, além de um cipoal de impostos que obrigam a indústria nacional a investir muito mais tempo do que o necessário em atividades-meio que oneram a produção. São, todos, “impostos ocultos” que impactam a competitividade da empresa brasileira, uma vez que os concorrentes internacionais não estão sujeitos a nada parecido. Embora não incidam diretamente nos custos de produção, eles afetam diretamente as empresas, que são obrigadas a bancar programas sociais necessários e justos, mas que são de responsabilidade do próprio governo e devem ser bancados com a já elevada carga tributária vigente no país. Estudos realizados pela FIEMG mostram que os “impostos ocultos” oneram em até 17% os custos de produção das empresas.

Assim, a efetivação de acordos comerciais e a desoneração dos custos que incidem na produção atendem plenamente aos objetivos de promover a concorrência leal entre a indústria brasileira e a de outros lugares do mundo. No entanto, se o governo adotar a redução unilateral das tarifas, sujeitará as empresas brasileiras a condições desiguais de competição, tendo como resultados aumento do desemprego, queda na renda e falência de indústrias. Para a própria União, significa abrir mão de aproximadamente R$ 60 bilhões em arrecadação de impostos de importação – o equivalente a 45% da meta de déficit primário previsto para 2019.

Neste momento em que o Brasil começa a respirar e a dar sinais de recuperação econômica, pautada pela inflação controlada, redução da taxa básica de juros, lei da liberdade econômica, reforma da previdência e, para frente, as reformas tributária e administrativa, tudo de que precisamos é tempo e tranquilidade para investir e empreender, gerando oportunidades. E, tudo isso, no comércio exterior, só vamos conquistar com acordos comerciais – jamais com a redução unilateral de tarifas.

“Se o governo adotar a redução unilateral das tarifas, sujeitará as empresas brasileiras a condições desiguais de competição.”

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