Em agosto de 1974, Arnaldo Baptista chegava a tomar até duas doses de LSD por dia no refúgio que criou na Serra da Cantareira, em São Paulo, cantando coisas como ?será que eu vou virar bolor??, enquanto o mundo desabava lá fora. Eram três fantasmas rondando sua solidão: o fim dos Mutantes, o sumiço dos amigos que passaram a considerá-lo um maluco lisérgico perigoso e o amor viciante por Rita Lee, interrompido quando a mulher e menina dos seus olhos cansou de tanta psicodelia e se desfez da aliança de casamento.
Em três meses vivendo a tríade tristeza, drogas e arranjos de piano, nasceram as dez canções viajantes de ?Loki?? (Phillips, 1974). Agora, o álbum mais transcendental do rock brasileiro completa 40 anos de uma história que vai além do experimentalismo sonoro que enfeitiçou Kurt Cobain, e se revela como um dos mais belos desabafos de amor solto de uma garganta.
?Loki? é coisa de maluco mesmo, mas acabou virando ?lucky?, coisa de sortudo ? literalmente. Aos 66 anos, hoje Arnaldo Baptista entende isso como uma criança que aprendeu a se equilibrar na bicicleta sem precisar da ajuda dos pais. ?Existiam várias coisas reversas na minha vida e eu me sentia afundando cada dia mais, às vezes dava um medo absurdo de acordar, uma insegurança de viver mais um dia sem ninguém ao redor pra te segurar. Nesse sentido, eu tentei jogar uma cartada para que aquela loucura toda do ?Loki?? se transformasse em alguma sorte. E foi o que aconteceu?, diz.
Em apenas 33 minutos ? são exatos 16 minutos e 50 segundos em cada lado da bolacha ?, Arnaldo Baptista construiu um disco de rock sem uma única nota de guitarra, substituindo a agressividade das seis cordas por arranjos hipnóticos de piano, acompanhado do simplismo de Liminha no baixo, Dinho Leme na bateria e o próprio loki tocando piano, órgão, clavinet, sintetizador, violão de 12 cordas, além de cantar todas as músicas. ?Eu não sabia tocar guitarra direito e sentia que minha alma estava no piano, então fiz rock sem guitarra mesmo?, diz.
O primeiro álbum solo de Arnaldo Baptista ainda traz backing vocals de Rita Lee em duas canções, Não Estou Nem Aí e Vou Me Afundar na Lingerie, como amostras em carne viva de um sofrimento delirante presente até nos detalhes mais sutis do disco. Eu convidei a Rita para gravar, ela topou na boa porque estava em outro projeto, o Cilibrinas do Éden, e eram duas músicas apenas. A gravação saiu de primeira. Nem chegamos a ter tempo para conversar sobre qualquer outras coisa, diz.
Assim, ?Loki?? se tornou um altar particular de Arnaldo Baptista, em que ele pede desculpas e suplica por abraços (?Desculpe?), questiona o apego de coisas materiais (?Será que Eu Vou Virar Bolor??), usa o ame-o ou deixe-o da ditadura militar para pedir uma definição sentimental (?Vou Me Afundar na Lingerie?) e pergunta sem papas na língua: Cê acha que eu sou loki, bicho?
Hoje, Arnaldo Baptista parece viver o amor que tanto preza em pequenas doses diárias de sossego em seu sítio em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e em sua casa na Savassi, em Belo Horizonte, ao lado da mulher, Maria Lúcia. Com uma fala mansa de quem parece rir como criança enquanto conversa, o ex-líder dos Mutantes pode dizer que aprendeu com o tempo a dimensionar todo o amor que o fez surtar e explodir de felicidade ao mesmo tempo. ?O amor é uma coisa tão difícil de explicar quanto a minha preferência por amplificadores valvulados: todo mundo critica por ser ultrapassado, mas só você sabe como se sente melhor?, declara Arnaldo.

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