“Bücherverbrennung” é a palavra alemã para queima de livros, mas ao contrário da pronúncia difícil, é bem fácil entender porque o regime nazista destruiu um sem-fim de obras literárias por toda Alemanha. Hitler queria “purificar” a raça ariana e tudo que fosse contrário às suas ideias ditatoriais era considerado nocivo e, portanto, digno de ser destruído.

E qual é o perigo de um livro? Segundo Antônio G. Iturbe, em sua obra primorosa “A Bibliotecária de Auschwitz”, é o efeito que eles causam: “Livros são muito perigosos, eles fazem pensar.” O mesmo se aplica a qualquer meio que leve as pessoas a raciocinar, pois é muito mais difícil subjugar e iludir uma população que pensa. A estratégia “pão e circo” não funciona em uma nação de pessoas esclarecidas.

Com o advento da imprensa, no século VX, por meio da invenção da máquina tipográfica de Gutenberg, houve uma verdadeira revolução no campo das ideias. A difusão da escrita alastrou-se com muito mais rapidez por todo o mundo, fazendo com que um número imensamente maior de pessoas tivesse acesso à instrução, antes limitada a um pequeno grupo de pessoas endinheiradas.

Mais tarde vieram outros meios, como o rádio, a televisão e a internet, ampliando ainda mais o acesso à informação. Diante de tanta facilidade, principalmente com os dispositivos móveis que literalmente carregamos na palma da mão, deveríamos estar testemunhando um aumento nos níveis de inteligência, mas não é isso o que está acontecendo.

Segundo o neurocientista francês Michel Desmurget, pela primeira vez na história, filhos têm QI inferior ao de seus pais. Essa foi a constatação de uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Saúde da França, dirigida por Desmurget, e que resultou no livro “A Fábrica de Cretinos Digitais”.

De acordo com o neurocientista, os “nativos digitais” estão sendo privados de linguagem, concentração e memória, habilidades fundamentais para o desenvolvimento da inteligência. Para Desmurget, ainda não é possível determinar o quanto a tecnologia é responsável por esse declínio, porém, diversos estudos mostram que quanto mais televisão e videogame, menor o desenvolvimento cognitivo.

Some-se a isso a perda do ano letivo em muitos países subdesenvolvidos por conta da pandemia. Há quem se espelhe nos Estados Unidos e na Europa para justificar que estados e municípios no Brasil tomaram a decisão certa de manter as escolas fechadas por tanto tempo, porém, a comparação não é equivalente. Enquanto países desenvolvidos têm estrutura para isso, a realidade brasileira é totalmente diferente. Cabe relembrar que o Brasil tem a segunda população mais fora da realidade do mundo, segundo a pesquisa Perigos da Percepção, realizada em 2017, em 38 países. O país que tem a maior percepção da realidade é a Suécia, onde curiosamente não houve quarentena e nem fechamento das escolas – e onde o número de mortes por covid-19 é inferior a seis mil.

Ver escolas fechadas “em prol da vida” enquanto bares, restaurantes e cinemas já voltaram a funcionar dá a impressão de que estamos vivendo uma nova queima de livros, onde o objetivo é afastar as pessoas de qualquer atividade que as faça pensar. E saber que, em várias cidades brasileiras – a exemplo de São Paulo – a maioria dos pais não quer que seus filhos voltem à escola mostra que o medo é realmente capaz de neutralizar o raciocínio. Afinal de contas, as crianças estão nos supermercados, nos parques, nas ruas, nos playgrounds dos condomínios e até batendo de porta em porta para comemorar o Halloween. Por que as escolas se tornaram tão perigosas e a perda de um ano letivo parece algo irrelevante?

É preciso pensar a respeito e não normalizar situações inaceitáveis como essa imposição irracional de controle, onde há lugares e horários permitidos enquanto outros devem ser totalmente evitados sem o menor critério científico. Se o preço da liberdade é a eterna vigilância, o preço da inteligência é não aceitar o emburrecimento.

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