Cartões, relógio e apito separados. Enquanto calça as chuteiras, das arquibancadas escuta o abafado som das torcidas antes de entrar em campo. A ela não compete dar espetáculo ou fazer a galera comemorar, mas aplicar as regras e manter a ordem no jogo. Aos 20 anos, em meio à disputa da Taça BH sub-17, a mineira Francielly Fernanda pode ser considerada mais uma revelação do futebol brasileiro, mas no quadro de arbitragem. Ela é a mais jovem árbitra a apitar uma partida pela CBF.

“Sempre tive a curiosidade de saber como era ser árbitra. Quando era mais nova, ficava assistindo aos jogos pela TV e o que sempre me chamou atenção foi a arbitragem. Apitar uma partida oficial aos 19 anos foi uma alegria inexplicável. Fiquei muito surpresa e emocionada porque não esperava uma escala deste nível tão rápido, e logo na primeira rodada do Campeonato Brasileiro”, disse a árbitra natural Pará de Minas.

O “título” foi conquistado no jogo entre Corinthians e São Francisco-BA, em 25 de abril, na primeira rodada da Série A1 do Brasileiro feminino, quando ainda tinha 19 anos. De lá para cá, Francielly apitou outros jogos oficiais pela competição feminina e no Mineiro sub-20 masculino. Nesta terça-feira, ela atuou em dois jogos da Taça BH sub-17: foi quarta árbitra em Flamengo x Chapecoense e apitou Palmeiras x Uberlândia, na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas.

O sonho de ser árbitra de futebol começou há cinco anos, quando Francielly começou a apitar jogos mirins da liga municipal da cidade natal. De lá, ela passou para o futebol amador, onde viveu um episódio que quase tornou curta a trajetória. Após expulsar um jogador pelo segundo cartão amarelo em uma partida dos adultos, ela foi agredida em campo.

“Enquanto apitava uma partida do adulto, antes de ser árbitra da Federação, tomei um soco no rosto de um jogador por causa do preconceito. Demorei cerca de um mês para criar coragem e voltar a apitar. Tinha medo de escutar as piadinhas que escutei e até mesmo de apanhar de novo. Mas não desisti”, lembrou a árbitra, que na época não registrou ocorrência por medo.

Mostrou qualidade

O bom desempenho e o potencial da jovem não passaram despercebidos ao presidente da comissão de arbitragem da Federação Mineira de Futebol (FMF), Giulliano Bozzano. Segundo ele, mesmo jovem, Francielly tem feito boas arbitragens, o que tem aberto novas oportunidades em diferentes competições.

“A qualidade dela fez com que novas oportunidades fossem surgindo e ela foi conseguindo vencer os desafios. Prova disso é essa atuação neste ano. Ela vem muito bem em competições da CBF, inclusive tendo oportunidade de trabalhar na primeira divisão do Campeonato Brasileiro feminino. Ela vem numa boa ascensão e vem sendo vitoriosa nos desafios que têm sido dados a ela de forma progressiva”, contou o ex-árbitro, que também estreou no Brasileirão aos 19 anos, em um Corinthians x Coritiba no Morumbi, em 1996.

No intervalo de um mês, Francielly apitou pela Série A2 do Brasileiro feminino América-MG x Vila Velha e América-MG x Grêmio, além de Araxá x Betis pelo Mineiro sub-20 masculino. Apesar de ver o nome nas escalas de jogos da FMF e da CBF com frequência, ela lembra o caminho que seguiu e sabe que ainda tem muito trabalho pela frente.

“O trabalho vem sendo feito com muita dedicação há algum tempo. Comecei atuando em competições de categoria de base e do futebol amador pela FMF. Por causa da minha evolução, fui indicada para realizar os testes físicos e atuar em competições profissionais” destacou a estudante de Educação Física.

Treinos e sonhos

Conquistado o acesso às competições oficiais, o desafio da jovem árbitra é seguir apta nos testes físicos. A homologação mais recente foi obtida na última semana e habilita a trabalhar em competições femininas, Brasileiro sub-17 e sub-20, e Copa do Brasil sub-17 e sub-20 masculinos.

“Meus treinamentos sempre são preparatórios. Em época de teste físico, treino especificamente para ele. Quando não estamos em época de testes, nossos treinamentos variam de intensidade, dependendo das escalas do jogo. Mas costumo treinar três vezes por semana e faço reforço muscular “, explicou.

É justamente a parte física que compromete a realização de outro desejo da árbitra mineira: apitar um jogo da Série A do Brasileirão entre os homens. Conforme o instrutor físico de arbitragem da CBF, Paulo Camello, as árbitras precisam ser aprovadas nos mesmos índices masculinos para a categoria 2, que são os índices FIFA para árbitros nacionais. Nas avaliações são observados três pontos: agilidade, velocidade curta e resistência aeróbica.

 Esse pré-requisito se faz necessário por terem que atuar em competições masculinas, e desta forma, as árbitras devem suportar o mesmo esforço físico do quadro masculino. Afinal, estarão sendo cobradas técnica e físicamente de maneira igual nestas competições – detalhou.

Francielly deve se manter em forma com próprios recursos porque, segundo Camello, ainda não existe um centro de treinamento específico para os árbitros no Brasil. Por isso, todos devem se preparar em suas cidades, seguindo orientação dos instrutores de arbitragem espalhados pelo país.

– É um suporte ainda abaixo do que gostaríamos, pelas dificuldades estruturais e pela não profissionalização da arbitragem de futebol no Brasil, que fazem com que não haja a obrigatoriedade da ida dos árbitros diariamente aos locais de treinamento. Mas buscamos, dentro do possível, manter um apoio de instrutores físicos em cada estado – disse Paulo.

Se a principal competição de futebol do país no futebol masculino está em modo de espera, outro torneio dos sonhos de Francielly pode não estar tão distante assim. A árbitra sonha um dia apitar uma Copa do Mundo feminina.

“Além de atuar na Série A do Brasileirão, sonho em atuar em uma Copa do Mundo feminina. Quem sabe um dia?”, finalizou.

Francielly apitou Palmeiras x Uberlândia pela Taça BH nesta terça (Foto: FMF/Divulgação)

 

Fonte: Globo Esporte ||

COMPATILHAR: