O colapso imposto pela Covid-19 à rede de saúde de Belo Horizonte pressiona o trabalho nos cemitérios públicos da cidade. Embora a prefeitura assegure ter condições de promover todos os sepultamentos pedidos, março já registra média superior a 36 enterros por dia — em todo o ano passado, já sob as rédeas da pandemia, foram 29,93 funerais a cada 24 horas.

Até o último dia 19, os cemitérios do Bonfim, da Saudade, da Consolação e da Paz já haviam feito, juntos, 688 cerimônias neste mês. Março já tem a maior média diária de enterros desde 2017. A velocidade está cerca de 36% maior, chegando a patamares que só seriam alcançados em abril, mostram dados obtidos pelo Estado de Minas.

Com o número de enterros subindo mês a mês, a prefeitura acelera a abertura de covas. No Cemitério da Saudade, na Região Leste da cidade, de dezembro até essa terça-feira (23), foram abertos 96 espaços destinados a enterros em uma área de 1.200 metros quadrados que ainda pode ser aproveitada para receber mais jazigos de vítimas da epidemia viral. 

Até o começo deste ano, considerando recorte iniciado em 2017, a média diária de funerais nos cemitérios geridos pela Prefeitura de BH passou de 30 em apenas 11 meses — seis deles em 2020. Em 2021, o índice geral já está em 34,42 e, em nenhum mês, ficou abaixo de 31.

Na pandemia, o recorde de cerimônias de despedida nas necrópoles públicas de BH ocorreu em julho passado, quando 1.280 corpos foram enterrados — média diária de 41,29 sepultamentos. Janeiro deste ano chegou perto, quando 1.114 covas foram ocupadas.
Desde abril do ano passado, foram disponibilizadas 9.690 gavetas — aproximadamente 3.200 jazigos, entre reformados e novos, nos cemitérios da Paz, Saudade e Consolação, de acordo com a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica, autarquia responsável pela administração dos locais. O reforço ocorreu “a fim de atender a demanda e manter uma reserva técnica segura, a qual é monitorada e recalculada diariamente”.

No Bonfim, onde todos os jazigos são perpétuos, não houve ampliação. Em 2020, os quatro cemitérios municipais passaram a ter 50 coveiros — e não mais 35.

Em dezembro de 2020, antes das variantes do novo coronavírus terem desencadeado a atual saturação do sistema de saúde, o Cemitério da Saudade tinha perfurado 23 espaços para enterrar pessoas em uma área não utilizada, paralela à Rua Demétrio Ribeiro, no Bairro Saudade. Com a multiplicação das mortes, o cemitério municipal finalizou e já ocupou 46 túmulos, abriu oito novos e está em processo de perfuração de pelo menos mais 42 espaços, com o total de 96 túmulos desde o último mês do ano passado.

Nessa terça, três homens trabalhavam na construção dos túmulos no local. Além da perfuração das covas, os operários precisam fazer um revestimento de tijolos de concreto e reboco de cimento para o acabamento. Quando recebem os sepultamentos, os jazigos são então fechados por tampas de concreto e recebem placas com as informações dos falecidos.

“Não temos como precisar se os números irão permanecer aumentando, e por quanto tempo podem continuar na crescente. No que diz respeito aos cemitérios municipais, em março de 2020 traçamos um plano de ação com base em vários cenários possíveis da pandemia nos meses que viriam. Por isso, até hoje temos tido condições de adotar medidas imediatas para manter a qualidade do atendimento à população”, diz Sérgio Augusto Domingues, presidente da Fundação de Parques.

Cemitérios particulares também sentem mutações

No setor privado, os números também estão em curva ascendente. Entre solenidades comuns e cremações, o Parque Renascer, sediado em Contagem, promoveu, de janeiro a março, cerca de 220 sepultamentos e cremações mensais. No ano passado, a média foi de 164 eventos a cada 30 dias; em 2019, de 156.

O sistema funerário é a “ponta” de uma cadeia iniciada ainda nos hospitais. A taxa de ocupação de leitos de terapia intensiva, ontem, estava em 102,3%. As enfermarias de BH também registram alta movimentação, com 87,9% das vagas preenchidas.

Em 12 de março, quando o prefeito Alexandre Kalil (PSD) endureceu ainda mais as medidas tomadas para barrar o vírus, o infectologista Unaí Tupinambás, componente do Comitê Municipal de Enfrentamento à COVID-19, ressaltou que eventual caos no setor está condicionado ao descumprimento das ações restritivas.

“Se a gente não mudar o nosso comportamento, vai ter crise funerária. O Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, alugou um contâiner refrigerado para guardar os corpos de vítimas da COVID-19. Isso pode acontecer: a capacidade de enterrar ser menor que a demanda de corpos. Isso é muito grave”, alertou.

Fonte: Estado de Minas

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