Estréia hoje, 4 de abril, nos cinemas de todo o mundo civilizado, o novo longa de Martin Scorsese: ?The Rolling Stones – Shine a Light?. A música seria um terreno inóspito para o velho nova-iorquino com raízes italianas Martin Scorsese? Claro que não.
No currículo do mestre ?só? estão a edição do filme ?Woodstock?, de 1970; ?The Last Waltz?, de 1978; a série televisiva ?Martin Scorsese Presents: The Blues?, de 2003, e ?No Direction Home: Bob Dylan?, de 2005. Confira, a seguir, a resenha do jornalista e crítico musical Carlos Lopes, do portal Rock Press.
?Gente, me perdoem. Sinto-me parte de outra geração ou de outro mundo como os Rolling Stones. Mas não estou morto, friso. Assim como eles. O que é raro hoje em dia é show de rock em cinema. Então, essa é a sua chance de ouvir e ver o melhor rock and roll do mundo com os pesos pesados da música e o peso pesado da direção juntos.
A filmagem de The Rolling Stones Shine a Light ocorreu em 2006, no Beacon Theater, em Nova York, com apoio da ONG do ex-presidente Bill Clinton, que abriu o show empregando a retórica do aquecimento global como plataforma para futura campanha. Fora os 30 convidados dele, a sogra do Clinton mais o ex-Presidente da Polônia, os Stones têm que fazer um pit-stop para tirar fotinhas com deus-e-o-mundo dos bem relacionados. Enfim, pedras do ofício que não criam limo.
Na pré-estréia da película em Berlim, dois meses atrás, o vocalista Mick Jagger comentou que havia sugerido ao diretor que filmasse o concerto na praia de Copacabana. Oferta recusada com o argumento de que ele desejava algo mais íntimo. E é isso o que o filme foca: parte do universo íntimo da montagem de um show. Não é como um livro de revelações (encenadas) da Madonna com equipe rezando com as mãos dadas.
Mostra parte do que é ? insipientemente ? a preparação de um grande evento com organização (ou falta dela), divergências, sinusites e problemas técnicos como o ruído das câmeras. Há uma cena engraçada em que alertam o diretor que se Jagger for exposto por mais de 18 segundos à luz dos possantes refletores, ele pode literalmente fritar, ao que Scorsese responde: Não queremos Jagger frito!.
O show começa com Jumpin´Jack Flash, o clássicos dos clássicos. O som? Perfeito. Guitarras sujas e bumbo presente, sim, senhor. Tecnologia que consegue dar sentido até mesmo aos nossos indisciplinados Stones merece o nosso respeito. Shattered arrasa em seguida. She Was Hot? Oh yeah, she was. Jagger included. As imagens atuais intercalam-se com uma antiga entrevista do desinibido vocalista onde ele diz que canta há dois anos e acredita que vai cantar por mais três. Pelo menos por mais um ano certamente. Dá o que pensar. Metais no estilo Do Leme Ao Pontal intensificam a urgência do solo arrepiante de slide de All Down The Line. No final até mesmo Charlie Watts bufa de cansaço. Deu canseira no cara mais descansado do show business.
Jack Meg White dos White Stripes, o primeiro convidado, canta com Jagger a lindíssima Loving Cup. Arrepiam. Mas, claro, ninguém é páreo para Jagger. A não ser o guitarrista Keith Richards que em antiga entrevista responde à pergunta Quem é você? Sou Mick Jagger, ele responde. Alguém pode duvidar?
As Tears Goes By surge depois de um quase pedido de desculpas. A gente tinha vergonha dessa música e deu para outro gravar, ele confessa. Ao término da composição tocada com uma viola com 12 cordas acrescenta Não é tão ruim, não é?. Maldade com as lágrimas. Some Girls antecipa um lote de centenárias entrevistas sobre os problemas que os Stones tiveram com algumas drogas e a ortodoxia da religião nos anos 60 e 70. Incluindo aí a falta de paciência da banda com perguntas infantis de repórteres parvos.
Just My Imagination antecipa um dos ápices do filme: a country Far Away Eyes com a steel guitar de Ronnie Wood e Keith Richards todo à vontade. De um canto surge Buddy Guy infernal como sempre para Champagne and Reefer. Sua voz é pura assombração e força. O olhar desafiador que ele troca com Jagger e a cena em que o seu rosto permanece estático durante milimétricos segundos mostram que a essência dos Stones está ali, mais viva do que nunca, encarnada na pele negra de um pai de santo comandando a guitarra com bolinhas. O negócio é tão empolgante que Keith dá a sua própria Gibson para Buddy Guy de presente!
Depois os dados rolam em Tumblin´Dice para que Keith Richards, o vampiro pirata, cante You Got The Silver e Conection – interrompida por uma entrevista onde Keith e Ronnie são perguntados qual dos dois é o melhor guitarrista. Ronnie diz que é ele. O entrevistador cobra uma resposta á altura de Richards, que sabiamente dita: Somos péssimos, mas juntos valemos 10.
Jagger aparece através da porta de entrada do teatro para cantar uma versão burocrática para Symphaty For The Devil. Os vocais de Lisa Fischer, a Tina Turner dos Stones, foram mixados bem baixo. Sua clássica interpretação vocal é limada do filme. Bola fora. A pop Christina Aguilera canta até bem Live With Me. Jagger aproveita para dar aquele pega cenográfico na moça. Start Me Up antecipa uma entrevista em 1972 no Dick Cavett show onde Mick Jagger fala que tranquilamente se vê cantando com 60 anos.
Brown Sugar abre as comportas para a quase heavy metal Satisfaction. Ao final, Richards se ajoelha escorando-se na própria guitarra. O show e o filme terminam. Nem parece que passaram mais de duas horas. Vale cada centavo. Se é cinema? Claro. Tem clima de show? É até menos cansativo porque não temos que ficar de pé suando.
A artificial cena da saída de Jagger pelos bastidores esbarrando em Scorsese, que comanda uma câmera que sobe e desce escadas, reflete que tudo não passa de show business e glamour mesmo. Fato esse confirmado quando a câmera dá uma panorâmica sobre a ilha de Manhattan, feita de computação gráfica. A lua chamativa se transforma na língua de Kali. Fim da partida. Início de outra. Os créditos serpenteiam pela tela até estacionarem em uma foto do executivo e descobridor de talentos Ahmet Ertegun falecido em 2006. Ave?.

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