?Foi Deus quem enviou este homem para a cadeira de presidente do Atlético? . Pode até parecer piada ? hoje, soa irônico ? mas a frase foi dita em alto e bom som pelo atual presidente do Galo, Alexandre Kalil, ao programa Minas Esporte, em 1999. O homem ao qual se refere Kalil, na época assessor da presidência do Atlético, é Nélio Brant, que naquele tempo era conhecido apenas no ramo da economia, já que trabalhava no Banco Rural. Mal imaginava Kalil e milhares de outros atleticanos que, poucos meses depois, Nélio Brant ficaria marcado por uma administração confusa, polêmica e, segundo o conselheiro Manfredo Palhares, ?nebulosa?. ?Esse foi o maior erro da administração do Paulo Cury. Ele levou irregularmente para sua chapa de reeleição o Sr. Nélio Brant? , conta Manfredo.
Ainda no mandato de Paulo Cury, Manfredo recolheu cerca de 115 assinaturas para solicitar uma auditoria interna no clube. ?Os pareceres da auditoria eram realmente graves. O Alberto Lima Vieira, dentro da sua competência, passou a ser um dos líderes de uma comissão no Atlético para julgar aquela auditoria. Alguns bons atleticanos lutaram pelo clube na época. Benedito Soares, Antonio Passos, Carlos Márcio dos Santos, José Dalmo Araújo, Carlos Alberto dos Santos, Almir Dias… Aí o parecer do Alberto Lima Vieira apontou crime de usura, estelionato e formação de quadrilha dentro da administração Paulo Cury. Depois disso, o Cury levou para o Atlético o Nélio Brant, que apareceu nas páginas esportivas como sendo procurador do atleta Cairo, que havia feito um gol em um clássico sobre o Cruzeiro? , conta Manfredo, que diz que essa entrada de Brant no Galo se deu de forma tecnicamente irregular. ?Ele não tinha um ano de sócio do Atlético. Suspeito até que ele não seja atleticano. Quando o Paulo Cury ganhou a segunda eleição, imediatamente a Justiça pediu seu afastamento. Os mais interessados em negociar a saída do Cury foram o Nélio Brant, Sérgio Coelho e outros. A partir daí, entra no Atlético a quadrilha do colarinho branco, porque em 98 no Banco Rural e na política mineira já existia o Marcos Valério, conhecido apenas entre os políticos. Quando o Nélio assumiu, nas eleições, ele teve quatro votos em branco, um destes foi o meu? , conta Palhares, que diz ter sido procurado por Nélio na época. ?A partir dali, o Nélio começa a montar uma quadrilha nova no Atlético. Ele me convidou para um almoço, junto com o jornalista Son Salvador, e lá ele me ofereceu uma remuneração mensal. Eu apenas me afastei da mesa, pedi licença e fui embora. Eu sempre servi o Atlético, nunca me servi do Atlético? , dispara.
O conselheiro conta que, antes de assumir o Atlético, o Banco Rural homologou um protesto contra o clube. ?O Banco Rural fez um empréstimo para o clube ainda na gestão Paulo Cury. Em seguida, protestou o Atlético, seu emitente e os avalistas. Como uma pessoa que protesta a instituição em seguida a assume, sendo presidente? Ele só podia ter outros interesses. A partir do momento que assumiu o Atlético, ele buscou diversos funcionários da instituição rival (Cruzeiro) como o Eduardo Maluf, Xaffir Felipe e outros. Ele acabou com a categoria de base do Atlético. O Maluf hoje está na Justiça para receber do clube? , aponta Manfredo, que contesta a atuação de Alexandre Kalil na época. ?Ele articulou a entrada do Bebeto de Freitas no clube. O Kalil era presidente do Conselho Deliberativo e virou diretor de futebol. Um magistrado do clube vai ser dirigente de futebol? Então esse Alexandre Kalil é outro paraquedista? , questionou.

Parceria que nunca saiu do papel
Manfredo cita o início de relações entre o Atlético e Bebeto de Freitas relacionando ao fato de que no período em que Nélio Brant assumiu o clube, ventilou-se a hipótese de uma parceria milionária com o grupo Octagon / Koch Tavares, que entre outras coisas, previa um investimento superior a 400 milhões de dólares (na época compatível com o Real) em um período de 15 anos.
No período das negociações, o Atlético necessitava de investimentos financeiros e, enquanto a parceria não era assinada, o clube recorreu a diversos empréstimos bancários, aumentando sua dívida, para montar o time que foi vice-campeão Brasileiro em 99. Como o tal contrato nunca saiu do papel, o Atlético literalmente teve que ?pagar o pato?. Uma cláusula previa que, caso houvesse quebra de contrato, uma das partes seria ressarcida em 20 milhões de dólares. O Galo acionou os investidores na Justiça, mas até hoje não obteve êxito.
O conselheiro Palhares classifica o fato como ?um grande oba-oba?. ?Existia uma turbulência muito grande no Atlético. Então eles formaram um balão de ensaio com essa parceria, contrataram o Bebeto de Freitas e a Elena Landau. Levaram em Belo Horizonte o Brunoro (ex-jogador de vôlei, que na época intermediava a parceria do Palmeiras com a Parmalat) até o Conselho Deliberativo e fizeram um circo. Eu não participei porque não sou palhaço, mas fiquei sabendo que mostraram fitas e slides, tudo o que não ia acontecer. O conselheiro do Atlético, que é na maioria um ?boizinho de presépio?, fala ?amém? pra tudo, saiu de lá radiante e com isso eles conseguiram iludir mais um pouco a imprensa e o torcedor? , enfatiza.
Para Manfredo, a eclosão da crise e da dívida se dá nessa época. ?Nunca apareceu um centavo para o Atlético. Foi um balão de ensaio, manipularam 73 contatos do Banco Rural dentro do Atlético, todos podres, sem qualquer autenticação, além de 8 do BMG. Foi um circo, armaram uma quadrilha? , diz o conselheiro, que aponta uma blindagem feita dentro do clube, para que a Justiça não o investigasse. ?Blindaram o Conselho Fiscal. Puseram o promotor Jarbas Soares Júnior, o desembargador Manoel Saramago e o Adalberto Mendes Sales do TRT numa comissão. Blindaram o clube contra a Justiça. Minhas denúncias no Ministério Público não funcionaram porque o clube estava totalmente blindado. Como é que você vai fiscalizar um lugar onde tem um promotor, um desembargador, um diretor do TRT? Não tem jeito. Minhas investigações pararam? , lamenta Palhares.

Dívidas trabalhistas

Em entrevistas concedidas na época, o ex-presidente Nélio Brant chegou a dizer que uma das propostas da parceria era a de participação no passe de alguns jogadores, como Guilherme, Cleison, Ronildo, Ramon e Gilberto Silva, em troca de investimentos financeiros, que abateriam a dívida do clube. Na transição das temporadas 99 e 2000, Brant declarou ao Globo Esporte que ?a participação é 50% de cada (clube e investidores). Vamos receber 21 milhões por eles (jogadores) e liquidar nossa dívida. (…) De cara, da parceria, vamos receber 10 milhões de dólares na assinatura. E depois de 30 dias mais 15 milhões para pagamento de jogadores? , informara Nélio Brant na ocasião, contando que a parceira teria direito a 70% dos passes dos jogadores que fossem formados na divisão de base do Galo.
Manfredo conta que não tem informações sobre todos estes jogadores, mas sabe especificamente dos casos envolvendo os atletas Ramon e Gilberto Silva. ?O Atlético teve apenas prejuízos nessa passagem. No caso Ramon, o presidente do Conselho Deliberativo (Alexandre Kalil) foi se meter a ser diretor de futebol e brigou com o atleta, o deixou treinando em separado, dispensou. O atleta foi para a Justiça e ganhou seus direitos. Só ali o prejuízo foi entre 3 e 5 milhões (de reais). O Gilberto Silva só veio a ser vendido em 2002, após a Copa do Mundo, para o Arsenal. O Alexandre Kalil e o Ricardo Guimarães foram buscar esse dinheiro no Arsenal, em Londres. Quando voltaram, adquiriram com esse dinheiro um terreno em nome do Ricardo Guimarães e sua esposa Cláudia. Se eu não tivesse denunciado ao Ministério Público, esse terreno não teria se tornado hoje o que é a Cidade do Galo? , denuncia.

Relação com o ?valerioduto?
Em matéria divulgada na data de 30 de novembro de 2005, na semana em que o Atlético dentro de campo caiu para a Segunda Divisão, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais estava investigando estes empréstimos bancários, oriundos principalmente dos bancos BMG e Rural no período de 1999 a 2005. As duas instituições bancárias eram mencionadas com frequência nos noticiários da época, pois haviam sido utilizadas pelo publicitário Marcos Valério para distribuir dinheiro a políticos, especialmente do PT, no famoso caso ?mensalão?.
A investigação começou a partir das denúncias de Manfredo, através dos promotores Fernando Galvão e Eduardo Nepomuceno, com a intenção de descobrir se o clube fora lesado.
De acordo com a reportagem da Folha, assinada por Rodrigo Mattos, de 2000 a 2004, a dívida do Atlético com bancos saltou de R$ 11,6 milhões para R$ 16,6 milhões. No total, os débitos por empréstimos eram de R$ 50 milhões, um terço do total devido pelo clube na época.
O Ministério Público tinha em mãos 101 contratos de empréstimos feitos pelo clube com bancos desde 1998. Desse total, 81 foram feitos com o Rural e o BMG; 73 com o primeiro e 8 com o segundo. No ano em que começaram as operações financeiras, Ricardo Guimarães era diretor financeiro do Atlético e estava subordinado ao presidente Nélio Brant, que, na época, era diretor do Rural.
Do montante, a Folha havia obtido cópias de 22 contratos entre o banco e o Atlético, firmados entre 1998 e 1999. No total, eles somavam R$ 13,450 milhões, com os juros anuais cobrados girando entre 44% e 69%, em empréstimos com duração de 20 a 270 dias.
Manfredo lamentou uma ?mudança de rumos? na investigação. ?O Dr. Fernando Galvão iniciou a investigação, mas ele foi afastado do caso, ninguém sabe a razão. Ele estava apenas cumprindo seu dever e a maior vítima nisso tudo foi o Atlético? .
Coincidentemente, em entrevistas na imprensa em meados de 1999, Alexandre Kalil chegou a dizer em um programa da TV Bandeirantes que era um dos avalistas do clube em alguns empréstimos bancários. ?O Atlético não tem problema de aval. Estamos avalizando. Eu, Nélio, Ricardo, Edison (Simão)… O pessoal tem crédito. Hoje a gente empresta dinheiro para o Atlético? , disse Kalil, na época.
Palhares diz que estes empréstimos são os mesmos que se tornariam públicos anos depois, alvos de investigação por parte do Ministério Público. ?Aí que começa a grande quadrilha. Saiu uma quadrilha de trombadinha (da era Paulo Cury) e entrou uma quadrilha de colarinho branco. Entraram um bancário, um banqueiro, empresários e blindaram o clube na Justiça?, ataca.
Para o conselheiro, todas essas negociatas prejudicaram a trajetória recente do Atlético dentro de campo. ?Isso é uma bola de neve. Eles foram inteligentes. Quando assumiram, criaram esses títulos podres com o Rural. O valor exato ninguém consegue mensurar, nem o pessoal da auditoria mais recente; só o promotor Fernando Galvão que conseguiu, mas ele foi afastado do caso. Esses empréstimos entravam nas contas frias e sumiam. Mas algumas coisas caíam na conta do Atlético para amenizar, senão o time não poderia sequer entrar em campo. Apagaram incêndio com gasolina. Não ganhamos nem ?cuspe à distância?. Entre 2000 e 2007 ganhamos só um título estadual. Nélio Brant foi um terremoto dentro do Atlético e olha que hoje ele é da classe dos Grandes Beneméritos. Ele foi um desastre e teve o apoio do Kalil, que também se tornou credor do clube? , resume.

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