Idolatrado por boa parte da torcida atleticana, o atual presidente do Atlético, Alexandre Kalil, é o personagem principal da matéria que encerra a série dividida em cinco capítulos pelo Nova Imprensa, na qual, através de entrevistas com o conselheiro benemérito do clube, Manfredo Palhares, tenta-se entender porque a dívida financeira do Galo, em um período de 15 anos, (estima-se) subiu de R$ 3 milhões para quase R$ 300 milhões.
Em recente estudo elaborado e publicado pela Casual Auditores sobre as dívidas dos principais clubes de futebol do país, o Atlético fechou 2009 com a 4ª posição no ranking, com uma dívida estimada em nada menos que R$ 283.334.000 ? atrás apenas de Vasco, Flamengo e Fluminense.
Para Manfredo, o Atlético foi e continua sendo vítima de uma conspiração. ?Essa conspiração se inicia em 1998, com o afastamento do Paulo Cury. Formaram essa quadrilha com a finalidade de tomar o patrimônio maior do Atlético, o Shopping Center (Diamond Mall). Administraram o clube com interesses próprios, com títulos e empréstimos financeiros podres. O Atlético passou a ser vítima desses algozes. Eles entraram no clube para liquidá-lo. Sem falar que em 10 anos, o clube ganhou apenas dois títulos estaduais e caiu para a segunda divisão?, lamenta o conselheiro, que não poupa críticas ao atual presidente, o taxando como ?mentor? de todo o processo envolvendo os bastidores do clube no período. ?Nessa conspiração toda, o maior mentor disso tudo é o Alexandre Kalil. Ele ganhou a eleição para presidente do Conselho (final da década de 90) e se empolgou com o dinheiro fácil que estava vindo do Banco Rural. Vinte e duas contas de empréstimos em seis meses, setenta e três contratos sem validades fiscais. Após o afastamento do Paulo Cury, ele caiu de paraquedas no clube. Antes eu o encontrava e ele dizia que ?queria distância da política do Atlético?, mas de uma hora pra outra ele aparece disputando as eleições do Conselho?, conta Manfredo.
Alexandre Kalil tomou posse como presidente do Conselho Deliberativo do Atlético em outubro de 1999, cargo que ocupou até julho de 2006, tendo sido reeleito durante o período, em outubro de 2004. Nesta época, presidiram o Atlético os banqueiros Nélio Brant e Ricardo Guimarães. Para Manfredo, Kalil foi conivente com o que estava acontecendo dentro do clube. ?A partir do momento que ele (Kalil) formou esse quadro administrativo, o qual ele teria que vigiar, se ele anda lado a lado com essa gente, caracteriza sua má intenção?. O conselheiro cita a Constituição Federal, que em seu Artigo 192 & 3º estipula que os juros legais não podem ultrapassar 12% ao ano. Manfredo afirma que os empréstimos bancários feito pelo Atlético ? e teoricamente endossados por Alexandre Kalil como pessoa jurídica (Erkal Engenharia, empresa de sua família) ? caracterizam crime de usura. ?Acima disso (12%) é agiotagem, passível de punição. Pedi ao Alexandre Kalil em diversas cartas sobre os valores desses agiotas do Atlético e ele nunca me respondeu. Só ficamos sabendo disso a partir da entrada de um atleticano de quatro costados, o Alberto Lima Vieira, que como presidente do Conselho Fiscal fez uma bela auditoria interna e detectou esse crime de usura e a formação de quadrilha. O Alexandre Kalil, a exemplo do Ricardo Guimarães e do Nélio Brant, era um dos mensalistas, com os juros além das estimativas que prega a Constituição. Ele aparece em pessoa jurídica, através de sua empresa Erkal Engenharia?, denuncia o conselheiro.
Palhares reforça a tese de que Alexandre Kalil não poderia ser presidente do Atlético e aumenta suas denúncias. ?A Erkal e o Kalil tiveram 70 execuções de estelionato na praça de Belo Horizonte, está no Fórum Lafayette. Como um homem desse porte, com tantas execuções, pode vir a ser presidente de uma instituição? O prato de comida dele hoje, parece, é o Clube Atlético Mineiro?, ataca.
Assim como nos capítulos anteriores, Manfredo ressalta que fez as devidas denúncias aos órgãos competentes, estimulado inclusive pela mídia, mas que dificilmente teve seus pedidos atendidos, uma vez que o Atlético foi ?blindado? de forma estratégica, dentro de seu Conselho, para que as investigações sobre possíveis irregularidades envolvendo o clube não avançassem. ?Essa blindagem foi feita pelo Kalil, que colocou no Conselho Fiscal do clube o promotor Jarbas Soares Júnior, o Manoel Bravo Saramago e o Adalberto Mendes Sales. A partir daí, eu denunciava e as minhas denúncias não iam pra frente. Com o decorrer dos anos, o Sr. Jarbas Soares, promotor público, se tornou Procurador Geral do Estado. Eu o enviei providências para a fiscalização. Aí sim ele me respondeu através de uma carta, informando que a investigação estava sendo feita pelo Sr. Eduardo Nepomuceno?, conta Manfredo, que também tentou constantes contatos com Alexandre Kalil. ?Ele apenas me enviou uma resposta através do Sr. Benedito Soares Bonfim, protocolado pelo Sr. Rogério Furtado. Eu queria saber sobre os juros envolvendo o nome da sua empresa Erkal. Mas ele (Kalil) disse que o eu queria saber estava à minha disposição no escritório da Erkal. Não fui lá, afinal não sou diretor da Erkal, sou conselheiro do Atlético. Eu queria saber é do dinheiro dentro do Atlético e não na sede da empresa dele?, enfatiza.
Renegociação da parceria do Diamond Mall e da dívida com Ricardo Guimarães
Alexandre Kalil foi eleito presidente do Atlético em outubro de 2008 para o triênio 2009/2011. Os seus principais desafios eram recolocar o Atlético no caminho dos títulos dentro das quatro linhas e tentar equacionar a enorme dívida financeira acumulada nos últimos anos.
Em junho de 2009, Kalil anunciou que o clube havia recebido uma proposta para a renovação do contrato de arrendamento do shopping Diamond Mall, que é localizado no terreno da sede de Lourdes. Na ocasião, o presidente atleticano disse que a Multiplan, empresa que administra o shopping, ofereceu ao Atlético um total de R$ 35,5 milhões pelo novo contrato, com duração de mais 15 anos. Kalil defendia a aceitação do novo contrato, mas precisava da aprovação dos conselheiros, o que acabou não ocorrendo. ?Ele (Kalil) é um dos que ajudaram a falir o clube. Como presidente, ele viu a dificuldade que é. O shopping é a cobiça dos incompetentes, eles o querem de todo jeito. Ele, para dizer que não perderia o shopping naquele momento, queria negociar a formação de um novo Conselho, composto por jovens que daqui 15, 30 anos iriam usufruir disso; uma nova geração, diferente da nossa?, projeta Manfredo Palhares. ?O Atlético não é apenas as quatro linhas. As pessoas mais jovens precisam entender o que eu estou dizendo hoje: eles querem é tomar posse do patrimônio físico do clube. A ?situação? do CAM sou eu, Alberto Lima Vieira, Benedito Soares Bonfim e outros. Os que estão lá são ?oposição?, vão liquidar com o clube?, completa.
No mês passado, o site Globo Esporte noticiou que o Atlético fez um acordo para pagar uma dívida calculada em R$ 94 milhões com o ex-presidente Ricardo Guimarães. Ele, que é o maior credor do clube, concederia moratória até julho de 2012 e passaria a ter direito de 15% do valor de cada venda de atleta feita pelo Galo no período. ?Isso continua nebuloso. Tenho diversos protocolos com os AR?s que eles receberam todo meu material, minhas denúncias, e nunca me atenderam. Eu como conselheiro nunca consegui nada. Na carta que recebi do Kalil, sobre a Erkal, ele fala que esse dinheiro emprestado ao Atlético é protegido constitucionalmente. O Atlético é uma empresa sem fins lucrativos, é de domínio público. Isso não existe. Inconstitucional é ele. O Jarbas Soares era promotor e presidente do Conselho Fiscal, depois ele se tornou Procurador do Estado. Como ele iria se investigar??, indaga Palhares.
Manfredo diz que sempre fez parte de uma minoria dentro do Conselho, porque boa parte dos conselheiros se ?ilude facilmente?. ?Essa maioria nunca tentou se engajar porque quando o Atlético oferece uma feijoada ou qualquer outra coisa, eles participam. É a turma do oba oba?, lamenta.
Quem é Manfredo Palhares?
O belorizontino de nascimento e formiguense de coração é conselheiro benemérito do Clube Atlético Mineiro, entidade com a qual tem relação estreita desde a década de 50. Denunciante e personagem desta série de matérias, conta que é da ?turma da Savassi?. ?Minha paixão pelo clube é muito grande. Quando jovem, nossa turma alugava carros de praça para ir até Nova Lima, Sabará, Barão de Cocais, Conselheiro Lafaiete para buscar as vitórias de 2 pontos nos jogos do Atlético. É essa força popular que mantém o Galo?, conta o conselheiro, que durante as entrevistas fez questão de mencionar diversas vezes: ?Meu interesse sempre foi salvar a instituição. O Atlético está acabando e ninguém reage. Esse pessoal que atua no Galo há anos deveria ter um ?fim? como o Roberto Arruda (governador afastado do Distrito Federal)?.
Certa vez, Palhares tentou sintetizar sua paixão pelo Atlético e suas palavras soltas se resumiram na seguinte crônica: ?O Atlético não é somente um clube, uma agremiação esportiva. O Atlético é uma religião, uma seita, um credo, com sua bíblia e seus profetas maiores e menores. O Atlético é um amor, uma devoção, uma eterna comunhão de sentimentos. Por ele, muitos deram a vida, alienaram a liberdade, destruíram amizades, arruinaram lares. O Atlético,o atleticano para ser mais exato, é uma cardiopatia. O Atlético dá febre, dá cirrose hepática, dá neurose, dá exaltação de vida e de morte. O Atlético é uma alucinação. Deveria ser feita uma Lei Federal que obrigasse o Atlético a jogar em todo o estado de Minas Gerais, toda semana e ganhar sempre. Quando o Atlético vence, há mais doçura nos lares, mais vibração nas ruas, a vida canta, o homem trabalha mais e melhor, os filhos ganham presentes e beijos. Há beijos nas praças e nos jardins de toda Minas Gerais, porque a alma está em paz, está feliz. O Atlético não pode perder, não deve perder. Sua derrota frustra, entristece, humilha e abate. A saúde pública, a higiene estadual exige que o Atlético vença para o bem de todos, para a felicidade geral e para o bem-estar dos mineiros?.
* NOTA: Todas as declarações contidas nesta série de matérias são de responsabilidade do conselheiro Manfredo Palhares e foram devidamente registradas e gravadas. As entidades e pessoas mencionadas têm o direito de, caso julguem necessário, explanarem seus pareceres pelo jornal Nova Imprensa que, como um canal democrático, está à disposição de todos os citados nas matérias.

COMPATILHAR: