Uma cartilha promete unir os sistemas educacional e Judiciário no combate às agressões e às humilhações sofridas por crianças e adolescentes dentro das escolas. A ferramenta, lançada esta semana pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é a mais nova aposta no combate ao bullying. Ao todo, 16 páginas orientam pais, alunos e professores a detectar o problema.
O texto aborda, entre outros aspectos, como ele se manifesta, como um aluno vivencia a situação, a quem recorrer e o que fazer para resolver a questão. Escolas públicas e particulares e órgãos da Justiça em todo o Brasil receberão 46 mil exemplares da cartilha. O material também pode ser consultado e baixado no site do CNJ (www.cnj.jus.br).
O texto da cartilha, de autoria da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, caracteriza as vítimas e os agressores. Quem sofre as humilhações, normalmente, são alunos que estão em franca desigualdade de poder, seja pela situação socioeconômica, de idade, de porte físico ou até porque estão em menor número. Além disso, as vítimas, de forma geral, já apresentam algo que destoa do grupo (são tímidas, introspectivas, nerds, muito magras; são de credo, raça ou orientação sexual diferente etc.).
Já os bullies (agressores), na escola, fazem brincadeiras de mau gosto, gozações, põem apelidos pejorativos, difamam, ameaçam, constrangem e menosprezam alguns alunos. Furtam ou roubam dinheiro, lanches e pertences de outros estudantes. Costumam ser populares na escola e estão sempre enturmados, mas divertem-se à custa do sofrimento alheio. Em casa, mantêm atitudes desafiadoras e agressivas em relação aos familiares, são arrogantes no agir, no falar e no vestir, demonstrando superioridade. ?Manipulam pessoas para se safar das confusões em que se envolveram. Costumam voltar da escola com objetos ou dinheiro que não possuíam. Muitos agressores mentem, de forma convincente, e negam as reclamações da escola, dos irmãos ou dos empregados domésticos?, afirma o texto.
Ainda segundo a cartilha, o fenômeno pode começar em casa. ?Os pais, muitas vezes, não questionam suas próprias condutas e valores, eximindo-se da responsabilidade de educadores. O exemplo dentro de casa é fundamental. O ensinamento de ética, solidariedade e altruísmo se inicia ainda no berço e se estende para o âmbito escolar, onde as crianças e adolescentes passarão grande parte do seu tempo?, diz. E acrescenta que a escola é corresponsável, pois é nesse ambiente que os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam.
Orientação
Em uma escola particular no Bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste de Belo Horizonte, o bullying é um dos vários temas tratados durante encontros quinzenais promovidos pela instituição. O respeito ao outro e a si mesmo e as relações interpessoais são abordados de maneira leve, sem deixar de lado a seriedade. ?Esse problema é muito justificado em cima de brincadeiras. Dizemos aos meninos que brincadeira só tem essa conotação quando há diversão para os dois lados e a perde quando um deles se incomoda?, relata a orientadora educacional Rita Maria de Freitas Viana Lima.
Ela conta que professores e funcionários observam ainda os alunos tímidos e introspectivos. Quando surge alguma situação específica, os educadores atuam como mediadores para que os estudantes resolvam o problema entre si. Em casos mais sérios, os pais são comunicados e pode haver punição e até suspensão. ?Com alguns alunos conseguimos fazer mudanças e com outros não. Além do contexto de escola, ele tem uma vivência fora, sobre a qual não podemos interferir. De repente, pôr apelidos é hábito na família de alguém, por exemplo. Quando o menino vem para a escola, reproduz esse comportamento e o colega não gosta, ele estranha?.
A psicanalista Mercedes Merry Brito afirma que bullying é o novo nome dado ao constrangimento, à humilhação e à tirania instalados há muito tempo na cultura brasileira. ?À medida que a violência, em suas várias facetas e nomes, invade espaços privados, as escolas e as ruas, é preciso criar lugares para que humilhados e agressores sejam escutados. O tratamento possível da violência se dá, a meu ver, pela palavra. A violência se impõe exatamente onde a palavra faltou, onde não pode ser dita ou não foi escutada. Onde os sujeitos envolvidos não são escutados, o bullying pode vir como resposta?, disse.

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