O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 14 deste mês, declarou, por 6 votos a 5, a impossibilidade da condução coercitiva de investigado ou mesmo réu para prestar interrogatório, e interpretou como incompatível com a Constituição Federal o contido no artigo 260, do Código de Processo Penal, o qual prevê a possibilidade de quando o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato, que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Foi declarado que o artigo 260 do Código de Processo Penal, não foi recepcionado pela Constituição de 1988, sendo considerado que a medida representa restrição à liberdade de locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, incompatível com a Constituição Federal, por afronta aos direitos constitucionais, como o de ir e de vir e o de não produzir provas contra si mesmo.
O agente ou a autoridade que desobedecerem a decisão poderão ser responsabilizados nos âmbitos disciplinar, civil e penal. As provas obtidas por meio do interrogatório ilegal também podem ser consideradas ilícitas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Além disto, a decisão do STF não desconstitui interrogatórios realizados até dia 14 deste mês, mesmo que o investigado ou réu tenha sido coercitivamente conduzido para tal ato.
Para o ministro Dias Toffoli, que acompanhou o relator, é dever do Supremo, na tutela da liberdade de locomoção, “zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir, a garantia do contraditório e da ampla defesa e a garantia da não autoincriminação”.
O ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou a corrente majoritária, e afirmou que se voltar contra conduções coercitivas nada tem a ver com a proteção de acusados ricos nem com a tentativa de dificultar o combate à corrupção. “Por mais que se possa ceder ao clamor público, os operadores do direito, sobretudo os magistrados, devem evitar a adoção de atos que viraram rotina nos dias atuais, tais como o televisionamento de audiências sob sigilo, as interceptações telefônicas ininterruptas, o deferimento de condução coercitiva sem que tenha havido a intimação prévia do acusado, os vazamentos de conversas sigilosas e de delações não homologadas e as prisões provisórias alongadas, dentre outras violações inadmissíveis em um estado democrático de direito”, disse.
O ministro Marco Aurélio considerou não haver dúvida de que o instituto cerceia a liberdade de ir e vir e ocorre mediante um ato de força praticado pelo Estado. A medida, a seu ver, causa desgaste irreparável da imagem do cidadão frente aos semelhantes, alcançando a sua dignidade.
Votou no mesmo sentido o ministro Celso de Mello, ressaltando que a condução coercitiva para interrogatório é inadmissível sob o ponto de vista constitucional, com base na garantia do devido processo penal e da prerrogativa quanto à autoincriminação. Ele explicou ainda que, para ser validamente efetivado, o mandato de condução coercitiva, nas hipóteses de testemunhas e peritos, por exemplo, é necessário o cumprimento dos seguintes pressupostos: prévia e regular intimação pessoal do convocado para comparecer perante a autoridade competente, não comparecimento ao ato processual designado e inexistência de causa legítima que justifique a ausência ao ato processual que motivou a convocação.
O instituto da condução coercitiva vinha sendo utilizado no âmbito da Operação Lava-Jato e os interrogatórios já realizados não serão anulados. Agora, eventuais usos abusivos da condução coercitiva acarretarão penalidades para os agentes nas esferas disciplinar, civil e penal, e as provas colhidas serão consideradas ilícitas.
Os procuradores que atuam na Lava-Jato afirmaram que decisões judiciais devem ser acatadas, mas fizeram ponderações sobre a decisão do STF, cobrando instrumentos eficazes para executar os culpados, preocupando-se com o fato de esta decisão poder ser uma válvula de escape para questionamento da validade dos procedimentos da Lava-Jato.
O julgamento vem a corroborar com o entendimento de que na fase de interrogação, de levantamento de indícios de eventuais crimes, o investigado deverá ser convidado para depor e não poderá ser conduzido, de forma obrigatória, muitas vezes televisionado, como se já tivesse sido julgado culpado ou até já fosse réu. Esta prática pode causar e causou injustiças, restringindo a liberdade, ao fragilizar o caráter e a integridade de diversas pessoas inocentes, sendo incompatível com a dignidade da pessoa humana. Além disto, nenhum investigado é obrigado a depor e, assim, muito menos deveria ser obrigado a comparecer para fazê-lo.
É triste pensar na situação concreta de uma pessoa inocente ser conduzida de forma coercitiva para prestar depoimento, sob os olhares dos seus amigos, vizinhos, parentes, curiosos e até, muitas vezes, sendo televisionado. A cena destrói reputações. Ao final, no próprio inquérito, pode-se definir pela sua inocência, tudo isto à custa do desgaste de sua imagem na sociedade, que ficou manchada de forma permanente.
Sempre é bom frisar que os direitos e deveres são para todos. Eventuais direitos vilipendiados acarretam ataques, nas mesmas circunstâncias, a todos os cidadãos, que podem vir a estar em situações parecidas no futuro. É como se diz: em uma democracia, podemos até discordar dos nossos opositores, mas sempre devemos garantir o direito deles de expressarem a sua opinião, por ser uma sociedade plural, e muito mais devemos nos indignar pelo fato de pessoas inocentes serem expostas injustamente a situações degradantes à sua imagem.

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