Em depoimento de cerca de sete horas à CPI da Covid nesta quarta-feira (2), a médica Luana Araújo chamou de “delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente” a discussão sobre o tratamento precoce, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e por ministros do governo.

Luana Araújo esteve à frente da recém-criada Secretaria de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde durante dez dias. Passado esse período, foi informada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que não seria nomeada. Segundo ele, faltou “validação política” para a nomeação. Após deixar a secretaria, ela disse ter sofrido ameaças.

Infectologista e mestra em Saúde Pública pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, Luana foi convocada a prestar depoimento para explicar as razões pelas quais não permaneceu no ministério.

Após a indicação da médica, reportagens passaram a mostrar posições expressadas por ela, contrárias ao uso de remédios ineficazes para a Covid e defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro, como a cloroquina.

Nas redes sociais, Luana Araújo havia chamado a adoção do medicamento para o coronavírus de “neocurandeirismo”.

Durante a audiência desta quarta, Luana Araújo disse que, embora não tenha sido formalmente nomeada, trabalhou na pasta e discutiu medidas com o ministro relacionadas ao programa de testagem e à vacinação.

Segundo ela, não houve discussões sobre o tratamento precoce com Queiroga.

“Isso nem foi um assunto. Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente. Quando eu disse que um ano atrás nós estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu infelizmente ainda mantenho isso em vários aspectos, porque nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento”, afirmou a médica.

Segundo ela, essa discussão é “como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a gente vai pular”. “Não tem lógica”, complementou.

Luana Araújo também detalhou o convite feito pelo ministro Marcelo Queiroga para que assumisse a função em Brasília. Segundo afirmou, Queiroga apresentou a ela um “projeto sólido” e “baseado em evidências”.

“Aceitaria o convite para esta posição conquanto me fosse garantida a autonomia necessária e sempre fossem respeitadas a cientificidade e a tecnicidade. Vejam, eu pleiteei autonomia, não insubordinação ou anarquia”, disse.

A médica disse ainda que, no período em que atuou no governo, não encontrou e tampouco conheceu o presidente Jair Bolsonaro. Disse que manteve maior contato com o ministro e com assessores dele.

Saída

A Secretaria de Enfrentamento à Covid-19 foi criada no dia 12 de maio, mais de um ano após o avanço do vírus no país. Durante a cerimônia, Luana Araújo foi anunciada pelo ministro.

Na ocasião, ela afirmou que teria como função “coordenar a resposta nacional à Covid-19, em diálogo permanente com todos os atores: Governo Federal, estados, municípios, agentes públicos, sociedade científica, organizações internacionais, imprensa e, acima de tudo, com a população brasileira”.

Dez dias depois, porém, o Ministério da Saúde emitiu uma nota informando que a infectologista não assumiria mais a função. Não houve explicações sobre o motivo da mudança.

Questionada, Luana Araújo disse desconhecer a razão pela qual não foi nomeada e afirmou que, segundo o ministro Marcelo Queiroga, seu nome “não teria sido aprovado”.

A ex-secretária afirmou ainda que o ministro demonstrou “pesar” e que “não teria lógica” se a decisão tivesse partido dele.

“Não sei se foi uma instância superior. O que eu posso dizer é que não me parece ter sido dele, não teria lógica. Isso ficou claro para mim. Não existe razão para que a gente chegasse naquele ponto, e, naquela circunstância e naquele pesar, se isso fosse uma decisão privada, assim, única e exclusivamente dele, eu não vejo razão para isso ter acontecido”, afirmou.

Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) criticou o afastamento da secretária.

“É inacreditável como a senhora, tendo mestrado e se formado numa das melhores universidades do mundo na área de saúde, seja vetada pelo governo. É claro para a gente aqui: não estão interessados em quem tem capacidade para gerenciar essa crise. Estão interessados em quem compactua com alguém que, desde o primeiro momento, acreditou no tratamento precoce e na imunização de rebanho”, disse Aziz.

Cloroquina

Durante a audiência, a infectologista foi questionada sobre os efeitos da cloroquina e da propagação do medicamento, que é usado para o tratamento da malária e não tem eficácia para o coronavírus.

Luana ressaltou que jamais houve evidência científica que chancelasse o uso de medicações para o chamado tratamento precoce do coronavírus – as evidências, na verdade, foram no sentido contrário.

“Tanto que esse uso é reprovado por todas as agências regulatórias ou sociedades científicas reconhecidamente independentes e produtivas do mundo inteiro”, disse.

A médica ressaltou que há casos de efeitos antiviral positivos durante testes in vitro, mas que os resultados não são alcançados na prática.

“Existem medicações antivirais pra HIV que funcionaram in vitro, por exemplo, para a Covid e não funcionaram no organismo humano. Se eu pegar essa placa, essa cultura viral, e botar no micro-ondas, os vírus vão morrer, mas não é por isso que eu vou pedir para o paciente entrar no forno duas vezes por dia”, disse.

Fonte: G1

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