Em 10 de dezembro de 1948, a ONU adotou, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), uma aspiração humanista mundial pouco depois da vitória dos Aliados sobre os nazistas.

Trata-se de uma das grandes conquistas da então nova Organização das Nações Unidas e a primeira vez que se atribui caráter universal à necessidade de liberdade, igualdade e justiça.

As pessoas reunidas no Palácio de Chaillot aplaudiram de pé esse texto nascido do desejo por um mundo melhor depois das atrocidades da Segunda Guerra Mundial, de Auschwitz a Hiroshima.

A Declaração, sem valor vinculante, afirma a primazia dos direitos e liberdades dos indivíduos sobre os direitos dos Estados. Põe os direitos econômicos, sociais e culturais no mesmo nível que as liberdades civis e políticas.

Os direitos humanos deixam de ser um tema interno – como argumentava Hitler para impedir uma ingerência estrangeira – e se tornam um assunto “universal”.

 

A influente Eleanor Roosevelt

Um comitê de redação presidido por Eleanor Roosevelt, viúva do presidente americano, Franklin Roosevelt, falecido em 1945, e integrado por personalidades de diferentes países surgiu em 1947, após meses de preparação.

O canadense John Peters Humphrey e o francês René Cassin foram suas principais figuras. Os Estados-membros da ONU acrescentaram emendas e propostas ao rascunho.

A Declaração foi adotada por 48 dos 58 membros. Dois estavam ausentes (Iêmen e Honduras), e oito se abstiveram (Bielo-Rússia, Ucrânia, União Soviética, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita – que questionou a igualdade entre homens e mulheres – e a África do Sul do Apartheid).

Em um momento no qual o mundo se dividia entre o bloco do Leste e o Ocidente, encontrar um consenso foi uma tarefa colossal. Os comunistas denunciavam um excesso de direitos individuais e políticos em detrimento dos sociais.

Já as democracias dos países ocidentais opunham resistência à ideia de converter a declaração em um instrumento jurídico vinculante, por medo de que fosse usado contra elas pelos países colonizados.

Um fundamento jurídico

 

Apesar das segundas intenções veladas, a Declaração inspirou todos os tratados internacionais do Pós-Guerra e se costuma considerar um fundamento jurídico internacional em relação aos direitos humanos.

As convenções internacionais de 1979 contra a discriminação das mulheres, a de 1984 contra a tortura, a de 1990 sobre os direitos da infância e a criação da Corte Penal Internacional (CPI) em 1998 emanam diretamente da DUDH.

Também inspirou “o direito de ingerência” e de assistência humanitária. Mas, apesar de permitir avanços para “um ideal comum”, não impediu as violações dos direitos fundamentais.

E não escapa das críticas. O caráter universal foi considerado por alguns países como uma imposição ocidental. Houve resistências ideológicas, culturais, ou religiosas, como por exemplo na China, ou nos países muçulmanos nos quais se aplica a “sharia”.

“É preciso melhorá-la”, disse no final de novembro à AFP Malik Salemkur, presidente da Liga francesa dos direitos humanos (LDH).

Segundo ele, “é urgente completar a liberdade de circulação e a de ir e vir de seu país, um marco sobre as condições de entrada em um outro país, o que obriga a refletir sobre as causas das migrações. A proteção dos indivíduos frente às novas tecnologias da informação, ou médicas, também devem encontrar seu lugar. Por último, a mudança climática, ameaça para o futuro da humanidade, nos obriga a pensar em novos direitos universais”.

Contexto sombrio

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos celebra seu 70º aniversário ofuscada pela ascensão dos nacionalismos e pelos ataques às instituições multilaterais.

A alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, advertiu que o sistema mundial “que deu corpo à visão da Declaração Universal se vê erodido pouco a pouco pelos governos e pelas autoridades políticas que cada vez se concentram mais em interesses nacionalistas e estreitos”.

Alguns especialistas consideram que, embora o movimento mundial pelos direitos humanos que nasceu após a Segunda Guerra Mundial esteja ameaçado, esta comemoração pode ser uma ocasião para reafirmar a utilidade da DUDH.

Adotado pela Assembleia Geral da ONU (então com 58 membros, dos quais alguns se abstiveram) o texto buscava retificar a ideia, mantida durante séculos, de que são os Estados que devem garantir os direitos aos cidadãos. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, diz o primeiro artigo da Declaração, que relaciona, em 30 pontos, os direitos humanos, civis, econômicos, sociais e culturais “inalienáveis” e “indivisíveis”.

A Declaração reagia, assim, ao argumento dos nazistas acusados nos julgamentos de Nuremberg, que defendiam que os líderes de um Estado soberano que agem segundo o que consideram interesse nacional não podiam ser declarados culpados de “crimes de lesa-humanidade”, uma acusação de novo sentido.

O texto procurou estabelecer os direitos que cabem a toda e qualquer pessoa, independentemente de viver em uma república democrática, uma monarquia, ou uma ditadura militar.

A declaração “foi escrita para um momento preciso como o atual, quando a atração do nacionalismo e o populismo se propagam mesmo em nações democráticas”, disse à AFP Francesca Klug, renomada acadêmica britânica em matéria de direitos humanos.

 

Fonte: Estado de Minas e Exame ||

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