Por Paulo Coelho

A coordenadora da Obstetrícia da Santa Casa de Caridade de Formiga, a enfermeira Tassyane Tavares  fez uso da “Tribuna do Povo” na reunião da Câmara, dessa semana, defendendo a aprovação do projeto 168/2018 que dispõe sobre a implantação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente. Segundo relata o autor da proposta Marcelo Fernandes/PCdoB, o projeto visa coibir as práticas de violência obstétrica que, segundo se depreende da fala de Tassyane, são comuns também aqui no município de Formiga.

Durante o uso da Tribuna, Tassyane afirmou que: “embora as pessoas acreditem que por aqui não existe mais a violência obstétrica, isto não passa de engano. Se diminuiu a prática, a verdade é que, infelizmente, ela ainda ocorre quase que diariamente. Temos que mudar essa realidade. Tudo atualizou, mas muitos profissionais não querem atualizar juntos e praticando uma assistência nova e de qualidade”, frisou.

A enfermeira Tassyane Tavares (Foto: Divulgação)

De acordo com ela, toda a equipe está satisfeita com a proposição do projeto e torce pela aprovação para que as gestantes tenham um respaldo maior e sintam mais segurança durante o período dos atendimentos. “Quando a mulher chega na Maternidade em trabalho de parto, ela está muito sensível, sentindo dor e ela confia naqueles profissionais que estão ali. Mas muitos desses profissionais aproveitam da insegurança dela e acabam cometendo violências gravíssimas, tanto físicas como verbais. Existe esse tipo de violência em consultórios também”, lembrou.

Tassyane explicou ainda que muitos médicos marcam a cesárea eletiva de acordo com a agenda deles, desrespeitando o tempo de vida do bebê. Uma pesquisa realizada no pelo Ministério da Saúde sobre os partos de cesáreas constatou que eles só ocorrem de segunda à sexta-feira, às 7h. “Então quer dizer que nenhum bebê quer nascer no final de semana nem no feriado? Isso é uma violência muito grave contra a mulher e o bebê. Temos casos de bebês que nascem e ainda não estão com o pulmão formado. Ele nasce com esforço respiratório e tem que ser transferido, pois não temos mais a UTI Neo”, disse.

Mutilações sofridas pelas gestantes, agressões verbais quando são obrigadas a permanecerem deitadas sem fazerem exercício ou até mesmo não se alimentarem, ficando ainda proibidas de usarem a infraestrutura do hospital, são práticas que devem ser abolidas. “Muitas mães têm medo do parto normal, mas é por causa da falta de assistência. Muitas vezes proíbem um acompanhante. É importante esse projeto para que certos profissionais tenham penalidades. Que eles pensem duas vezes, antes de cometerem violência”, explicou.

Tassyane ainda convidou vereadores e público presente a visitarem a maternidade para conhecerem os procedimentos que precedem e são realizados nos partos.

Sobre o projeto

(Foto: Paulo Coelho)

A proposição na Câmara Municipal teve como autor o vereador Marcelo Fernandes e projetos semelhantes já se tornaram lei em outros estados da federação, também apresentados por filiados do PCdoB.

 

 


Aprovação

A aprovação se deu por sete votos a um, uma vez que o vereador Sidney Ferreira preferiu votar contra, em razão de não haver recebido a resposta de consulta feita ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e outros órgãos vinculados à categoria.

Apoio ao projeto

(Foto: reprodução Câmara)

Os demais vereadores deram apoio integral ao projeto, tendo se destacado a fala da vereadora Joice Alvarenga, que tendo sido mãe há poucos meses, emocionada, relembrou o que passou e afirmou que não fosse pelo tratamento adequado que recebeu, talvez, a história de seus filhos nascidos prematuros, pudesse ter sido diferente. Citou inclusive um caso recente de uma amiga, atendida pelo SUS, que não teve a mesma “sorte”, isto em razão da diferença da qualidade do atendimento para clientes particulares e os assistidos pelo SUS. Joice assim concluiu sua fala: “Para o profissional que já é bom, competente, que tem responsabilidade com o Sistema Único de Saúde, essa lei não fará diferença. Mas o profissional que trata de forma diferente a gestante da ala particular e a do SUS, terá dor de cabeça”.

Foto: Câmara/Divulgação

A vereadora Wilse Marques, que é mãe de três filhos também se posicionou: “Eu fiquei muito, muito, muito assustada com a fala da enfermeira. Eu não imaginava que isso estaria acontecendo tão recorrentemente aqui na nossa cidade. Não ficamos sabendo disso. (…) Sinceramente eu fiquei muito preocupada e se acontece com as gestantes, eu acredito que acontece em todos os tipos de atendimento médico, o que tem que ser olhado também. (…) A gestante, quando chega para dar a luz, já chega sentindo fortes dores com incertezas e ainda tem todas as dúvidas que só acabam quando ela tem a criança nos braços e ser maltratada neste momento tão sublime, é mesmo um crime (…) Tem que dar ciência à gestante desse direito de reclamar, de cobrar e tem que dar o grito na hora. E que a equipe técnica também faça denúncia junto à direção do hospital, que coíba isso que está acontecendo aqui, pelo que vi, de forma recorrente. Estou chocada com o que ouvi e quero crer que são poucos

[casos]. Mas se há esse depoimento é porque está acontecendo”.

Sem retaliações

As dúvidas levantadas pelo vereador Sidney, ao que parece, também povoaram as mentes de alguns daqueles que se pronunciaram avisando que não aceitariam qualquer tipo de retaliação (castigo) que pudesse vir a ser aplicado à enfermeira, em virtude de suas “corajosas falas”.

Marcelo Fernandes agradeceu a presença da enfermeira e das que a acompanharam, enalteceu o trabalho que elas desenvolvem no hospital para humanizar os partos e disse esperar que a enfermeira obstétrica não seja alvo de perseguição diante de sua fala, até porque, ele entende que ela falou de uma situação geral, não específica da Santa Casa.

Foto: Arquivo UN

“Espero que isso [perseguição/retaliação] não ocorra até pela competência dos gestores da entidade e do corpo jurídico do hospital, pois eles sabem bem o que é uma ação trabalhista por perseguição. Acredito que não vai acontecer, mas se acontecer, que fique registrado nessa reunião que eu sou contra qualquer perseguição por ela [a enfermeira] ter tido a coragem de falar o que está acontecendo não só em Formiga, mas no Brasil”, disse Flávio Couto.

 

Pedido de providência

(Foto: Arquivo UN)

O vereador Sidney Ferreira requereu que a Comissão Especial de Saúde averigue o conteúdo da fala da enfermeira Tassyane, que notifique a provedoria da Santa Casa, a Secretaria Municipal de Saúde, o prefeito municipal e o Conselho Municipal de Saúde, uma vez que as informações levadas ao Legislativo são no entender dele, vereador, “simplesmente estarrecedoras”.

 

 

O outro lado

O UN tentou ouvir a Santa Casa, a respeito da fala da enfermeira e da repercussão entre os vereadores, tendo falado por telefone com a comunicação da entidade e com a própria provedora Anice Bottrel. Por e-mail, foi enviada a seguinte resposta:

“Eu Tassyane Tavares gostaria de ressaltar que durante o uso da tribuna na Câmara Municipal de Formiga, no dia 11 de junho, não houve um discurso de denuncia sobre o assunto, e sim esclarecimentos e informações sobre a violência obstétrica no Brasil e não especificamente da Santa Casa de Formiga. Com a aprovação da Lei contra a Violência Obstétrica, nós estamos seguindo uma conduta do Ministério da Saúde, por meio da Rede Cegonha. Queremos  aprimorar a assistência durante o atendimento às gestantes, parturientes, puérperas e bebês. Estamos intensificando diariamente o trabalho de humanização dentro da maternidade do hospital. Trabalhamos com indicadores do Ministério da Saúde, e a partir de julho de 2017 conseguimos melhorar muito a qualidade da nossa assistência, por exemplo: diminuímos 30% a taxa de cesárea, diminuímos em 80% algumas intervenções desnecessárias que são realizadas durante o parto, criamos uma Sala de Relaxamento com todas as tecnologias não farmacológicas para alívio da dor, iniciamos ainda o curso com as gestantes – GESTAAMOR, (SUS, Particular e Convênios) de Formiga e da Microrregião, entre outras melhorias. Ressalto ainda que a maternidade já oferece o parto humanizado para as gestantes, livre de qualquer violência obstétrica. Diariamente estamos recebendo visitas de gestantes de outros municípios, que nos procuram porque receberam relatos de outras mães que foram atendidas na maternidade de Formiga e elogiaram muito a assistência prestada aqui. Essas gestantes tinham planos de ir para o hospital Sofia Feldman para ter um parto humanizado, mas, agora vão vir para Formiga, pois sentiram segurança em nossa assistência humanizada e livre de violência obstétrica. A direção da Santa Casa aprova todo o trabalho que é desenvolvido pela equipe da maternidade, inclusive o Projeto de Lei contra a Violência Obstétrica”.

A provedora Anice Kallas Bottrel afirma que um dos principais objetivos da instituição é trabalhar a humanização em todos os setores da Santa Casa, e fica muito feliz por esse trabalho já acontecer na maternidade.

 

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