Em pronunciamento em rede nacional na noite de terça-feira (24), Bolsonaro fez um apelo pela “volta à normalidade”, a reabertura do comércio e a reabertura das escolas. Na fala, ele chamou a doença de “resfriadinho”, contrariou especialistas e pediu o fim do “confinamento em massa” e culpou a imprensa por “espalhar pavor”.

De acordo com o portal G1, economistas afirmam, no entanto, que se a epidemia sair de controle, as consequências econômicas podem ser até mais graves, e que salvar vidas deve ter prioridade sobre metas fiscais anuais.
“Hoje nós (precisamos) mais do que nunca de um poder Executivo com capacidade de coordenação, que não estejam em reiterados conflitos com o Congresso, com a comunidade científica, com a mídia profissional, com os fatos e com uma parcela expressiva da opinião pública.

O Brasil precisa hoje mais do que nunca de uma serena combinação de humildade e confiança por parte de suas lideranças. Humildade para entender a natureza das incertezas do risco que corremos. Confiança na nossa capacidade de nos erguermos à altura dos desafios atuais que acho que não são poucos.

O que os brasileiros não precisam e não merecem nessa hora grave são desvarios e destemperos verbais por parte do Poder Executivo”.

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central (BC)

“Nesse momento, eu acho que o governo federal tem que agir e agir como se tivesse em uma guerra. Nós temos inúmeros cadastros no Brasil, a nível federal, a nível estadual, a nível municipal, de pessoas carentes que recebem algum tipo de transferência do Estado. Isso poderia ser mobilizado para assegurar uma renda mínima durante o período de três, quatro meses para esses trabalhadores”

Henrique Meirelles, ex-Ministro da Fazenda

“A causa da crise não é uma questão econômica, financeira. A causa da crise é uma pandemia, é um problema de saúde. a crise econômica vem como consequência. Então nós temos que preservar as empresas, fazer com que as empresas possam se manter em funcionamento, etc. Passar por esse período de crise, ajudar as pessoas. Mas a prioridade agora tem que ser conter a razão da crise – que é a pandemia. A razão da crise, que é a doença, preservar a vida das pessoas e depois também preservar a economia”.

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

“Em primeiro lugar, está o objetivo de salvar vidas; em segundo lugar, de pôr dinheiro nas mãos das pessoas, particularmente as de renda mais baixa, as menos favorecidas. Em terceiro lugar, salvar as empresas de uma quebra. Esse é o objetivo terceiro. O primeiro é salvar vidas. O presidente parece dar a impressão de que ele prefere contar os mortos do que contar os desempregados.

Acho que não é hora de pensar em ajuste fiscal, até porque a medida aprovada pelo Congresso, a proposta do poder executivo de decretar calamidade já geram autorização para o governo não cumprir a meta de resultado primário.

O resultado primário para este ano é estimado em R$ 124 bilhões e, provavelmente, vai ser muito mais que isso. Já se calcula que pode chegar a R$ 300 bilhões.

O que é preciso é que sejam medidas temporárias, evitar que as medidas fiscais se incorporem aos usos, aos costumes, às expectativas dos governadores, dos prefeitos, é preciso que ela seja temporária. Passada a crise, aí sim voltamos à tarefa que é inarredável de colocar novamente as finanças públicas em ordem no Brasil”.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central

“Me parece que a questão essencial agora é de saúde pública, que tem predominância inclusive sobre a economia. O fundamental nesse momento é fazer com que epidemia consiga ser reduzida de maneira de não sobrepujar a capacidade dos hospitais de atender os doentes e daqueles que vão precisar de cuidado intensivo.

Se a gente permitir que a epidemia saia de controle, as consequências econômicas podem ser, inclusive, piores. Então, nesse momento, temos que deixar as pessoas em casa e pensar em alguma maneira de ajudar do ponto de vista de renda. Vai ter que passar pelo Estado, vai nos custar muito caro.

O país vai sair dessa crise com a situação fiscal ainda pior do que entrou. O que significa o seguinte: passada a crise, vai ter que fazer uma força enorme, do ponto de vista de ajuste fiscal; depois, vamos precisar de mais reformas do que a gente precisava, e vamos precisar delas mais rápido do que se imaginava que seria necessário fazer. Tudo isso em um contexto de um presidente que vive em conflito permanente, com a sociedade agora, e com o Congresso, o que torna mais difícil qualquer perspectiva de sucesso nessa frente”.

José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
“A chanceler alemã Angela Merkel disse que, do ponto de vista da Europa, é o maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial, o que dá uma ideia dessa dimensão. Porque essa combinação da pandemia com a guerra comercial que já vinha de tempos, e a guerra do petróleo provocou a pior coisa para uma economia, que é a parada súbita. De repente, cria-se uma situação onde o isolamento social é a medida a ser tomada, e isso significa que tudo para. Quando isso acontece, os fluxos financeiros param, as vendas param, e isso que pode provocar o colapso de companhias, de setores, e já irá provocar em qualquer circunstância uma recessão global na qual nós estaremos dentro.

A única reação admissível dos governos, fora seguir as orientações médicas da OMS, de realmente fazer um isolamento inicial para tentar quebrar essa dinâmica do crescimento da transmissão é colocar a política fiscal de uma forma agressiva, para poder auxiliar as pessoas e as empresas a atravessarem esse papel.

É lógico que ao fazer isso, qualquer ideia de meta, de déficit, tem que ser deixada para depois. Não é bom, mas é o que aconteceu. E nós vamos ter o governo se endividando mais para poder fazer isso. E do lado do banco Central, baixar juros tem um efeito psicológico, mas a potência da política monetária é menor”.

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central

“Essa é uma crise diferente das que tivemos no passado, porque afeta diretamente a capacidade de produção das economias, as pessoas ficam afastadas do seu trabalho, isso significa que é preciso ter algum tipo de amortecedor, choque social. Nós temos um conjunto enorme de pessoas no país que vivem com rendas muito baixas, vivem na informalidade e é preciso tratar delas nesse momento.

Eu venho, junto com outros (economistas), defendendo que se acionem os mecanismos que já existem para manter a economia funcionando. Isso seria possível através do canal do Bolsa Família, do Cadastro Único. Eventualmente até de uma mobilização para cadastrar mais gente.

Já existe ideias circulando por aí e elas estão sendo aprimoradas. Eu tenho expectativas de que o governo tem condições de agir rápido e é preciso que aja.”

Monica de Bolle, economista

“A fala do presidente é absolutamente irresponsável. É difícil até descrever o grau de irresponsabilidade dessa fala, porque ela revela um total desconhecimento da ciência e do que os infectologistas estão dizendo a respeito da ciência.

Ao invés de fazer um discurso sem qualquer embasamento, era bom que ele estivesse trabalhando para fazer as medidas necessárias para atender a população mais vulnerável sobre as quais eu e outros economistas temos falado. Essas medidas têm que atender não só as pessoas que recebem Bolsa Família, mas, sobretudo, os cerca 36 milhões dos desassistidos de qualquer programa social, além de dar muitos recursos ao SUS.

O que o governo deveria fazer é articular o pacote a ser dado de assistência à população e à economia de forma geral como o que vários países estão fazendo. (…) Há toda uma rede de proteção social que precisa ser reforçada e o Brasil está perdendo um tempo precioso neste momento”.

José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia

“Nós, como economistas, precisamos pensar o que temos de fazer para diminuir o impacto econômico desse isolamento social. Então, por exemplo, neste fim de semana, o Arminio Fraga (ex-presidente do Banco Central), o Vinícius Carrasco (economista) e eu fizemos um artigo para um jornal. E, no artigo, a gente fala da necessidade de se preservar a estrutura de pequenas e médias empresas no Brasil, principalmente nas áreas urbanas. Tem de ter um sistema de crédito para isso.

É isso o que está se fazendo nos Estados Unidos e nos países da Europa. O estado está ajudando o setor privado a atravessar esse período, que a gente espera que seja relativamente curto, de semanas. Por esse período curto, o estado vai ter de ajudar a manter a estrutura econômica. Eu acho que não existe outra maneira. É uma atitude muito irresponsável você pensar que serão aceitas as mortes de 2 milhões de pessoas ou que, por alguma razão, a população vai ficar imune (do coronavírus)”.

Márcio Holland de Brito, professor da FGV-SP e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

“As medidas anunciadas pelo governo têm se mostrado tímidas e estão sendo anunciadas de forma um tanto quanto desorganizada. Acho que é hora de organizar um pouco mais o pacote de medidas, alinhar mais o Banco Central (BC) com o Ministério da Economia, alinhar mais as medidas tributárias com as medidas de crédito para irrigar a atividade econômica.

A decisão de juros do Comitê de Política Monetário (Copom) na última reunião foi bastante tímida e desalinhada com a realidade dos fatos. O BC tem que reduzir de forma mais tempestiva a sua taxa de juros, o que vai diminuir os encargos financeiros da dívida pública e sinalizar para os bancos reduzirem as suas taxas de empréstimos bancários.

Do lado do governo federal, está faltando medidas mais articuladas para sustentar a renda das famílias brasileiras, especialmente dos mais vulneráveis e dos informais. Tem mais 12 milhões de famílias no Cadastro Único que poderiam ser incorporadas ao Bolsa Família. O Bolsa Família tem hoje um benefício médio de R$ 200 que poderia ser facilmente dobrado para R$ 400. Suspensão de alguns tributos federais para as empresas manterem a sua folha de pagamento e evitar demissões também é muito importante”.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social

“O Brasil dispõe de uma rede de proteção social, com o Bolsa Família e o Cadastro Único, que nos permite atuar numa velocidade bastante alta, dando recursos para os mais pobres e atingindo, de alguma forma, o setor informal.

É importante atuar com velocidade nos dois sentidos, no sentido da entrada dos recursos, de não economizar, não poupar, já que estamos falando de vidas, situações muito criticas, mas ao mesmo tempo a gente não cair no problema de criar despesas permanentes que vão dificultar muito a saída da crise.”

Fonte: G1

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