O sorriso pode ser revelador: manchas nos dentes entregam anos de tabagismo, consumo regular de vinho tinto e café ou desleixo com a própria saúde. A solução estética mais viável e acessível é o clareamento, apesar de riscos como o aumento da sensibilidade dentária e a irritação gengival. Interessados no procedimento, contudo, precisam estar atentos ao fato de que ele pode deteriorar as resinas, especialmente as de restaurações antigas. O alerta vem de um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo.

A cirurgiã-dentista Thayla Hellen Gouveia, que fez o trabalho sob orientação da professora Débora Lima, explica que o contato entre o produto clareador e a resina é inevitável. Por causa do carbopol, um espessante importante para rações clareadoras, há deterioração na superfície e redução na microdureza dos materiais já presentes no dente. “A grande preocupação está relacionada ao fato de que nem sempre essas restaurações precisam ser substituídas depois (do clareamento), além de não haver um consenso na literatura acerca dos possíveis efeitos deletérios da ação química dos géis”, complementa.

21%
dos brasileiros vão ao dentista para a realização de limpeza e clareamento dos dentes, segundo pesquisa divulgada, no ano passado, pelo Conselho Federal de Odontologia

Thayla Hellen não só constatou, em laboratório, que os clareadores alteram negativamente a cor, o brilho, a rugosidade e as microdureza das resinas, como também produziu um gel menos nocivo. As pesquisadoras contam que a rugosidade, um dos aspectos mais prejudicados pelo clareamento, está diretamente ligada à alteração da superfície e da reflexão do brilho das resinas. O aumento da rugosidade pode favorecer, por exemplo, o aparecimento de novas manchas.

“Restaurações com superfícies muito rugosas tendem a refletir pouco brilho, destacando-se negativamente no dente. Além disso, uma superfície rugosa facilita o acúmulo de pigmentos provenientes da dieta do paciente, levando ao manchamento e comprometendo o tratamento estético”, reforçam Débora Lima e Thayla Hellen.

Outros materiais
O estudo engrossa o acervo de pesquisas sobre danos às restaurações. Outros especialistas acusaram que o clareamento agressivo reage quimicamente com a resina composta e também com o cimento de ionômero de vidro, os selantes e as coroas cerâmicas, reduzindo a estabilidade e a durabilidade dos reparos odontológicos. Pesquisa desenvolvida na Fujian Medical University, na China, e publicada no Journal of Dentistry em 2013 mostrou que resinas expostas a um gel clareador com 40% de peróxido de hidrogênio (ou H2O2, o princípio ativo de muitos tratamentos) sofreram amolecimento da superfície, especialmente quando expostas a 37ºC, temperatura média de uma pessoa saudável.

11%
dos brasileiros consideram a aparência dos próprios dentes e da própria gengiva ruim ou péssima, conforme o mesmo levantamento

As condições das experiências não incluíram escovação com dentifrício (pasta de dente) e, por isso, não reproduzem a realidade humana, que pode ser bem pior. Isso porque, além de amolecimento, há o risco de a escovação provocar a perda de materiais usados no reparo dos dentes. Na Near East University, na Turquia, pesquisadores avaliaram os efeitos de cinco clareadores já comercializados em amostras de resina. Conforme relataram em 2013 no Journal of Color and Appearance in Dentistry, todos os tratamentos promoveram significativa e “inaceitável” mudança de cor nas resinas.

Coordenadora de Odontologia da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ), Vera Soviero esclarece que pessoas com restauração dentária não estão impedidas de fazer o clareamento. No entanto, devem chegar ao consultório conscientes de que o resultado pode não ser o esperado. “Dentes com canal tratado que sofreram um processo de escurecimento podem necessitar de outro tipo de procedimento, chamado de clareamento interno”, exemplifica. Provocada por traumatismos, medicação no canal ou vazamento de sangue, essa mancha costuma ser amarelada ou cinzenta.

Orientação
Para os demais casos, é consenso entre os dentistas que os clareamentos mais eficientes são feitos no consultório. A concentração de H2O2 varia de 10% a 35%, dependendo da técnica. “O resultado vem mais rápido, mas há maior risco de ocorrência de sensibilidade, pois a concentração do agente clareador é mais alta”, alerta Soviero. Ela enfatiza que não há evidência científica de que o uso de luz intensa ou laser durante a aplicação do gel clareador no consultório torne o processo mais rápido ou eficiente.

A especialista acrescenta que clareadores vendidos em farmácias, como pastas de dentes, enxaguantes e fitas branqueadoras, costumam oferecer resultados inferiores. Apesar de menos concentrados, esses produtos, que contêm ou liberam peróxido de hidrogênio em concentração acima de 3%, tiveram a venda restrita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no início deste ano. O órgão regulador determinou que o uso seja prescrito por um dentista.

Visto que o diagnóstico é indispensável, Débora Lima e Thayla Hellen consideram preocupante a oferta indiscriminada dos clareadores em farmácias. Além de não ser indicado para todos os casos, o tratamento varia conforme o tipo de mancha. “Se mal usado, o clareador pode ser tóxico aos tecidos moles. Além disso, pacientes com trincas no esmalte, áreas de exposição dentinária e jovens com um maior grau de permeabilidade de tecidos dentais podem queixar-se de dor durante e após o término do tratamento”, explicam.

Protegidas pela uva
Estudo da Universidade de São Paulo indica que o extrato da semente de uva pode amenizar danos em restaurações com resinas. Segundo a pesquisadora Ana Beatriz Silva Sousa, o composto estudado é em pó. Por isso, precisaria ser diluído para ser usado. Mas há estudos na Universidade de Illinois (EUA), onde ela desenvolveu parte do trabalho, que buscam encapsular a solução. O composto é mais eficiente que a clorexidina, sendo comparável à doxiciclina, materiais utilizados em reparos odontológicos. Como a doxiciclina, a solução de semente de uva prolonga a vida útil da resina, reduzindo a necessidade de tratamentos estéticos adicionais.

 

Isabela de Oliveira – Correio Braziliense/ Saúde Plena – Portal Uai

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