Mais de 30 mil brasileiros aguardam transplantes de órgãos este ano. Algumas pessoas estão na fila há vários anos, outras morreram sem receber a doação. E a posição na espera não é o único critério, já que também é preciso que o órgão seja compatível, entre outros fatores clínicos. Por isso, é fundamental que a disponibilidade de órgãos seja maior. Nessa quinta-feira (27), hospitais de Belo Horizonte e da região metropolitana se mobilizaram para conscientizar a população sobre a importância de informar a família sobre a intenção de doar órgãos e desmistificar algumas afirmações que cercam o procedimento de dúvidas e fazem com que alguns recuem da decisão. Em Minas Gerais, os números não são muito animadores. Em todo o ano de 2017, segundo o MG Transplantes, foram 239 doadores efetivos no estado, sendo 168 de janeiro a agosto. Já em 2018, no mesmo período, foram 140, queda de 16%. Atualmente, 3.834 pessoas esperam por um transplante em Minas Gerais. No fim do ano passado, eram 3.455.

“Em relação ao Brasil, Minas não tem uma situação muito confortável. O número de notificações é muito inferior ao nosso potencial. Em 2017, Minas fechou como 21º do ranking nacional em número de notificações no Registro Brasileiro de Transplantes (RTB). Estamos atrás de todos os estados do Sul, Nordeste e Sudeste. Nosso maior problema é identificar nosso possível doador para que a notificação seja feita”, informa a médica Rafaela Cabral Gonçalves Fabiano, coordenadora da Organização de Procura de Órgãos Metropolitana (OPO), ligada ao MG Transplantes. No mesmo registro, segundo ela, Minas está em 12º no número de doações entre os estados.

Ela detalha que o Brasil viu essa queda do ano passado para cá durante o período de adaptação às mudanças no procedimento de diagnóstico de morte encefálica, que, juntamente à autorização da família, é critério fundamental para a doação de órgãos. Antes, o diagnóstico era feito por dois médicos, um deles neurologista. No fim do ano passado, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu, entre outras medidas, que os dois médicos encarregados do diagnóstico devem ser especificamente capacitados com um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma, ter participado de 10 determinações de morte encefálica e feito curso de capacitação na área, como o oferecido pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). “Identificar esses médicos foi o maior problema ao longo do primeiro semestre. O segundo problema para fazer o diagnóstico é que fazemos teste de apneia, precisamos de alguns valores da gasometria e colocaram esses valores gasométricos mais rigorosos”, comentou Rafaela Cabral.

Apesar da dificuldade inicial, pois a resolução teve aplicação imediata, ela reforça que as regras são seguidas. Isso também pode tranquilizar as pessoas que não manifestam interesse em doar órgãos por temer um diagnóstico de morte encefálica errado. “A resolução do CFM é super-rigorosa, tanto que é até entrave para fazer o diagnóstico. Os protocolos de morte encefálica de outros países são muito mais flexíveis que os nossos. Do ponto de vista fisiológico, é muito mais fácil (diagnosticar) do que o que ela obriga a fazer. Se a resolução for seguida, com certeza o paciente está em morte encefálica. O maior problema é a baixa notificação, mas uma vez que a notificação tenha sido feita, somos bem rigorosos do ponto de vista legal”, enfatiza a especialista. Agora, feitos os ajustes, ela acredita que, com mais médicos capazes de realizar o diagnóstico, o número de protocolos de doação vai aumentar.

Para isso, nessa quinta o MG Transplantes e hospitais da capital e da região metropolitana participam de uma campanha para sensibilizar a população. Houve panfletagem e entrega de brindes diante do maior pronto-socorro da capital, o Hospital João XXIII, no Bairro Santa Efigênia, Região Centro-Sul, com participação de comissões de 12 instituições de saúde da Grande BH. Profissionais esclareceram dúvidas a respeito do procedimento. Além disso, hospitais como a Santa Casa da capital e imóveis públicos como o Espaço do Conhecimento do UFMG, na Praça da Liberdade, aderiram à campanha Brasil Verde, com iluminação na cor da iniciativa. Aderiram também a Basílica Santuário Nossa Senhora da Piedade, a Faculdade de Medicina da UFMG e a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, entre outros.

Acolhimento que salva vidas

Uma abordagem mais humanizada à família do potencial doador de órgãos é decisiva no combate ao déficit de procedimentos e para a redução das longas filas de espera em Minas Gerais e no Brasil, acredita a médica Rafaela Cabral Gonçalves Fabiano, coordenadora da Organização de Procura de Órgãos Metropolitana (OPO), ligada ao MG Transplantes. Para isso, afirma, é fundamental que a equipe médica esteja preparada para esse atendimento. “O que impacta mais no consentimento familiar nem é a crença prévia da família, mas como foi o processo de internação do paciente, já que há todo um curso de más notícias nesse período. Quando a família é bem acolhida durante o processo de internação, ela tende a prosseguir com a doação.

Iluminada na cor da esperança, a Santa Casa de Belo Horizonte, importante centro de transplantes de Minas Gerais, apoia a ação
(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)

É também necessário conscientizar a população de que as pessoas, individualmente, precisam dizer às famílias que são doadoras”, analisa Rafaela Cabral (veja quadro). No entanto, ela frisa o papel das instituições de saúde nesse processo. “A gente tem que trabalhar para passar essa educação continuada para todos os hospitais.  Não só para passar esse conhecimento, mas também o diagnóstico e a manutenção das rotinas. É muito mais pela educação continuada nos hospitais do que (pela reação) da própria população que conseguiremos vencer os obstáculos”, acrescenta.

Sobre as notificações de potenciais doadores, a especialista avalia que elas dependem do esclarecimento dos profissionais de saúde, mas vêm aumentando paulatinamente. “Todos os hospitais, salvo raras exceções, precisam gerar acompanhamento e notificação dos pacientes, fazer busca ativa na emergência, nos Centros de Tratamentos Intensivos (CTIs). Estamos procurando fortalecer as Cihdotts (Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes), que são as células do sistema. E onde conseguimos formar bem as Cihdotts, elas vão identificar potenciais doadores e nos comunicar. Em 2017, tivemos 548 notificações em todo o estado. De janeiro a agosto de 2018, 464”, comenta.

Em Minas Gerais, a lei estabelece que podem ser doadoras de órgãos pessoas que têm de 7 dias de vida a 80 anos. “A pessoa se colocar favorável à doação já melhora muito as taxas de consentimento familiar. A recusa familiar (em Minas) é maior que a média nacional”. Quem quiser saber mais sobre a doação de órgãos em Minas Gerais, seja potencial doador ou familiares dessas pessoas, pode ligar para a linha de orientação à população, no número 0800-283-7183. Campanha de alerta sobre o tema e orientação da população foi iniciada ontem, com equipes de prestação de esclarecimentos em locais como a entrada do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII.

Esperança tropeça em obstáculos

Em novembro, o psicólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jáder Sampaio completa 12 anos na fila para um transplante de rim. Ele foi diagnosticado com glomerulopatia, que causa insuficiência renal crônica, ainda na década de 1990. Descobriu a doença por acaso, em um exame pré-admissional. “Acredito que a maior possibilidade é quando surgir um órgão mais compatível. Não creio que isso vá sair em breve ou que não vá sair. Tento me manter bem, fazendo hemodiálise”, conta.

Além da espera, Sampaio enfrentou outro grande problema pelo caminho. Ele teve o nome retirado da fila de transplantes e agora luta na Justiça contra a União e o Ministério da Saúde para que os anos retirados da contagem sejam inseridos novamente. “Estava na fila de transplante de um hospital e resolvi mudar para outra instituição. Nesse período, meu nome foi retirado sem comunicação. É normal que isso ocorra, temporariamente, quando a pessoa está com uma doença que impeça o transplante. Eu acreditava que estivesse na fila, cheguei a ligar para o MG Transplantes e só fui colocado novamente quando concluí a mudança e começaram a contar o tempo novamente do zero. Perdi anos na contagem do tempo”, explica ele.

O período de espera é um dos critérios importantes para o recebimento de um órgão. Segundo ele, não havia registro do afastamento dele nos hospitais. “Entrei na Justiça estadual, mas o juiz entendeu que era incompetente para julgar (o caso não seria da alçada do estado) e fui à Justiça Federal, que tem uma decisão favorável para incorporar a contagem de tempo passada para o Hospital São José. Ainda cabe recurso”, afirma o psicólogo.

Jáder Sampaio afirma que a discussão sobre os transplantes de órgãos acaba limitada ao dia nacional, e, assim como a médica Rafaela Cabral, fala da importância da notificação de possíveis doadores, que deve ser feita pelas equipes médicas. “Apesar da prontidão do MG Transplantes, dentro dos hospitais os médicos têm tantas outras preocupações. O transplante não é uma rotina e a informação não é uma rotina, é o que explica minha situação”, avalia o psicólogo. “Uma coisa que as pessoas confundem mesmo é que hoje muitas pessoas, mesmo transplantando, podem ter rejeição do órgão. Esse órgão não dura para sempre, pode durar um ano, 25, é caso a caso. Tenho muitos colegas (na hemodiálise) que já perderam. É preciso conscientizar as pessoas da mudança de qualidade de vida que a gente tem quando transplantado e da constante necessidade de doar órgãos”, enfatiza.

 

Sem dúvida

Entenda como é feita a doação de órgão

» Como posso ser doador?
Não é necessário deixar nada por escrito, basta avisar à família. A doação de órgãos e tecidos só ocorre após a autorização familiar documentada, mas, se a pessoa não avisa, os parentes ficam em dúvida em um momento de fragilidade

» Doador vivo
Qualquer pessoa saudável que concorde com a doação de rim ou medula óssea e, ocasionalmente, com o transplante de parte do fígado ou do pulmão para um de seus familiares. Para doadores não parentes, há necessidade de autorização judicial

» Doador falecido

É um paciente internado em unidade de terapia intensiva (UTI) com morte encefálica, em geral depois de traumatismo craniano ou derrame cerebral. A retirada dos órgãos e tecidos é feita no centro cirúrgico do hospital e segue toda a rotina das grandes cirurgias. A retirada de córnea pode ser realizada até seis horas após a parada cardíaca

» Quais órgãos podem ser doados por um doador falecido?
Rins, coração, pulmões, fígado, pâncreas e também tecidos, como córneas, pele e ossos, sempre após a autorização dos familiares

» Como é possível ter certeza do diagnóstico de morte encefálica?
O diagnóstico faz parte da legislação nacional e de regras do Conselho Federal de Medicina. Dois médicos de diferentes áreas examinam o paciente e fazem o diagnóstico clínico de morte encefálica. Um exame gráfico, como ultrassom com doppler ou arteriografia e eletroencefalograma é feito para comprovar que o encéfalo já não funciona

» Para quem vão os órgãos e tecidos?
São transplantados para os primeiros pacientes compatíveis que aguardam em lista única da central de transplantes de cada estado. Esse processo é controlado pelo Sistema Nacional de Transplantes e supervisionado pelo Ministério Público

» Após a doação de órgãos, como fica o corpo?
A retirada dos órgãos e tecidos segue todas as normas da cirurgia moderna e não interfere em questões como a possibilidade de o corpo ser velado

» A quem recorrer?

Disque Saúde: 0800 61 1997
Central Nacional de Transplantes: 0800 6646 445
ABTO: (11) 3283-1753 / 3262-3353

MG Transplantes
Av. Professor Alfredo Balena, 400, 1º Andar. Santa Efigênia, BH/MG
08000-283-7183
(31) 3219-9200 e 3219-9211
[email protected]

 

 

 

Fonte: Estado de Minas ||

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