Além de matar pelo menos 151 pessoas em Minas – não incluídos os 54 óbitos ainda em investigação –, a febre amarela, que registrou seu maior surto no país desde os anos 1980, causou mortandade também entre primatas.

Pesquisadores que se dedicam a estudar e acompanhar espécies estimam que somente em uma das reservas do Leste de Minas, epicentro do surto, pelo menos 90% da população de 500 bugios – também conhecidos como barbados – tenham morrido.

A devastação ocorreu na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Miguel Abdala, em Caratinga, onde a espécie entrou em risco de extinção. Até o momento, apenas 12 desses animais foram encontrados e buscas estão sendo feitas na tentativa de localizar um número maior em outras áreas da reserva. Macacos-prego e saguis da serra também foram atingidos e estão em número menor que antes.

Embora ainda não tenha havido comprovação de mortes por febre amarela entre os muriquis, considerados símbolo da mata atlântica, esses animais tiveram redução de 10% na população de 350 primatas, durante o período do surto da doença. Com isso, o número chegou a patamares de cinco anos atrás. “Estamos fazendo levantamentos, e, no futuro, teremos números mais precisos. Mas a investigação na mata já feita até agora é suficiente para dizer que os barbados correm risco de extinção nessa reserva, que é uma área que tinha altíssima densidade desses animais. Eles foram aniquilados, exterminados pela virose da febre amarela”, afirma o primatologista da Universidade Federal do Espírito Santos (Ufes) Sérgio Lucena.

O pesquisador chama atenção ainda para o perigo que correm os saguis da serra, já classificados como espécie com risco de desaparecer daquele ambiente. “Essa é uma reserva importante para a conservação da espécie e, para nós, já está obvio que houve redução expressiva da população. Em diversas caminhadas feitas na mata, ainda não foi registrado nenhum deles. Vamos tentar outra área, porque acreditamos que eles ainda estejam por aqui, mas em número bem menor”, afirma o professor, que estuda primatas do Vale do Rio Doce e regiões vizinhas há mais de 30 anos.

Os macacos são altamente sensíveis ao vírus da febre amarela, especialmente os barbados e os saguis ou micos. A morte de macacos devido à doença serve como alerta aos órgãos de saúde sobre a necessidade de vacinação imediata da população humana. Assim como humanos, os macacos são considerados hospedeiros e vítimas do vírus e ainda ajudam a sociedade se proteger, já que sua morte indica o risco da doença na região. Por isso, atuam como sentinelas da circulação do vírus da febre amarela. Nos primatas, o vírus se mantém por um curto espaço de tempo, pois eles adoecem e morrem por conta da infecção. Os reservatórios do vírus e responsáveis por sua manutenção na natureza são mosquitos silvestre, que podem transmitir o vírus para novos hospedeiros durante os cerca de 30 dias que vivem.

Muriquis

Também considerados uma espécie em situação de perigo e um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo, os muriquis do norte foram os menos impactados entre os primatas dizimados na reserva Feliciano Miguel Abdala. De acordo com a primatologista americana Karen Strier, professora de antropologia da Universidade Wisconsin-Madison (EUA), a perda de 10% do total de 350 animais coincidiu com o período do surto da doença no Leste de Minas. “Chegamos a número de cinco anos atrás e isso significa um impacto enorme para esses primatas, já ameaçados de extinção. Mas, ao contrário dos barbados e demais atingidos, eles têm mais chance de recuperar a população anteriormente registrada”, afirma Karen, que é também presidente da Sociedade Internacional de Primatologia.

Ela destaca, no entanto, que até então não houve confirmação de que tenha sido a febre amarela a causa da morte dos muriquis. “Tivemos uma coincidência das mortes no mesmo período do surto, mas isso pode ser reflexo de outras situações, como outros tipos de doença, idade e o fato de os últimos dois anos não terem registro de muita chuva. Mas temos suspeita de que pelo menos uma proporção possa ter sofrido os efeitos da febre amarela também”, afirma a pesquisadora.

 

Remanescente florestal

O domínio da mata atlântica ocupa cerca de 36% do estado de Minas Gerais. Menos de 4% dessa formação ainda está coberta por vegetação natural, que se estendia originalmente por todo o Leste mineiro. A Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdala representa, neste contexto, um importante remanescente florestal localizado no município de Caratinga, à margem esquerda do Rio Manhuaçu, na Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais.

Com área de 957 hectares, a reserva corresponde a 72% da Fazenda Montes Claros, formada por 80% de matas em bom estado de conservação e 20% de pastos abandonados e florestas em regeneração. Muitos vizinhos da Fazenda Montes Claros contam com pequenas áreas de florestas em suas propriedades, o que totaliza cerca 1.450ha de mata atlântica original na região. Devido ao elevado número de plantas endêmicas e da rica fauna de aves e mamíferos ameaçados de extinção existentes na área, a reserva é considerada uma das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade na mata atlântica.

 

Fonte: Estado de Minas ||

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