Na última edição desse semanário, foi abordado o problema da violência obstétrica e levantado intensa polêmica em torno de acusações sérias formuladas por uma profissional de saúde. Em primeiro lugar gostaria de ressaltar que, se essa profissional tem conhecimento de casos de violência no seu local de trabalho, presenciados por ela, não existe outra atitude que não seja a denúncia formal aos órgãos competentes tais como, Conselhos de classe, Mesa administrativa e Ministério público.

A acusação, indiscriminada, a esmo, sem dar nome aos bois, fere os princípios éticos e macula a história e a moral de profissionais, que, como eu, militam na nobre arte obstétrica há muito mais tempo que essa profissional tem de vida,  e que jamais foram acusados, formalmente, no seu exercício profissional. Portanto, tal atitude, trata-se de denúncia vazia, leviana e passível, no mínimo, de advertência à essa profissional, por parte de seus superiores, solicitando ou que se retrate ou que denuncie, formalmente, os profissionais omissos, sem que isso signifique retaliação. Apenas o cumprimento de um dever profissional e cívico para com a comunidade.

Visando apenas esclarecer os fatos, há que diferenciar alguns conceitos. Em primeiro lugar, o processo de humanização do parto é um movimento, legítimo,  que tem crescido no país, no sentido de que a gestante seja atendida por equipe multidisciplinar, visando o parto natural, proporcionando um atendimento mais natural possível, em que a paciente, acolhida e orientada, possa ter um parto natural, sem muita interferência dos profissionais, com pouca ou nenhuma medicalização, objetivando um parto saudável, recuperação rápida e baixo risco. Para se atingir tal objetivo são indispensáveis, profissionais bem preparados, equipe completa e integrada e ambiente apropriado. Requisitos que, evidentemente, têm custos e exige organização e equipe preparada e competente. Apesar de todos os esforços, infelizmente, em nosso país, são poucos os hospitais que já conseguiram criar estrutura adequada à essa realidade. Infelizmente, a nossa Santa Casa não tem cumprido nem com o mais básico, remunerar os profissionais. Atrasos de cinco, seis meses no pagamento de honorários dos médicos têm deixado a escala furada.

O segundo conceito, importante a ressaltar,  é a Violência Obstétrica. Ao contrário do que possa parecer, esse conceito trata-se de qualquer violência contra a mulher gestante ou no período puerperal (pós parto) e não a violência cometida pelo obstetra. Infelizmente, em nosso pobre país, 50% das gestantes são vítimas desse tipo de violência, e, mais infelizmente ainda, 90% dessa violência é perpetrada por pessoas da intimidade das gestantes (parceiros e parentes próximos). A violência obstétrica é também perpetrada pelos serviços de saúde. Quantas vezes vemos, nos noticiários da TV , gestantes perambulando de porta em porta de hospitais procurando uma vaga para ter um parto? Quantas vemos tendo partos em ambulâncias, ou até mesmo na porta de hospitais e maternidades, superlotados, sem a menor dignidade? Nós, que militamos na área da Saúde Pública , quantas vezes nos indignamos ao constatar que uma gestante não conseguiu um único ultrassom, durante toda uma gestação, por falta de recursos financeiros. Quantas vezes já tivemos que internar uma gestante para fazer um simples exame de urina, pois esperar pelo resultado de um exame poderia demorar mais de vinte dias. Nossa saúde básica é precária. Temos ultrassom de última geração, mas nosso sistema não consegue pagar um profissional para executar o exame. Causa imensa tristeza receber uma gestante no pré-natal, que teve uma fratura no pé e ser informado que ela terá que esperar 4 dias para ser atendida pelo ortopedista.

Maior tristeza ainda é constatar que essa paciente foi atendida em uma UPA e nem uma faixa foi aplicada em sua fratura, procedimento que pode ser realizado por qualquer profissional de saúde, nem precisa ser médico. Tudo isso é violência obstétrica. Todos os gestores da saúde são responsáveis. Há também os profissionais incompetentes, mal preparados, mal educados que devem ser denunciados e punidos. A coibição da violência não ocorre não é por falta de lei, pois lei é o que mais existe no Brasil. Qual a razão de se sancionar uma lei municipal para coibir violência obstétrica se existem leis federais e estaduais regulando isto? Não são necessárias mais leis. Necessárias são ações, respeito, educação. Quem vai fazer cumprir essa lei? Quem vai fiscalizar? Se se quisesse, aquela mesma pessoa que fez a denúncia poderia coibir as ações que revela, denunciando-as aos órgãos competentes.

Por último, há que se ressaltar um terceiro problema. Amparados nos conceitos de parto humanizado e na violência obstétrica , com vistas em um mercado de trabalho bastante promissor, profissionais para-médicos tentam desmoralizar a figura do médico obstetra, demonizando esses profissionais, os apontando como agressores às gestantes, opositores ao parto normal e assim tentando ocupar um espaço profissional , uma vez que a falta de planejamento governamental lançou ao mercado uma pletora de profissionais que procuram um lugar ao sol para o exercício de seu mister.  Necessário se faz a separação do joio do trigo!

COMPATILHAR: