Boletins de atendimento médico de cinco dos 28 mortos na Favela do Jacarezinho, na semana passada, descrevem como chegaram a uma unidade de saúde da Zona Norte os corpos dos baleados na operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro.
Nos documentos obtidos pelo G1, o médico responsável por redigir os relatórios apontou, entre outras lesões, “faces dilaceradas”, “dilacerações”, ferimentos em membros inferiores compatíveis com disparos de arma de fogo e “desvios ósseos em membros superiores”.
Os boletins foram produzidos a partir da avaliação dos corpos de cinco homens levados por policiais para a Coordenação de Emergência Regional (CER) da Ilha do Governador, a emergência do Hospital Evandro Freire. Em todos as avaliações o médico assinala que os pacientes chegaram já “cadáveres”.
Sem identificação, os cinco baleados foram descritos da seguinte forma nos documentos: homem negro, homem negro II, homem negro III, homem pardo I e homem pardo II.
Veja abaixo o que diz cada boletim, na ordem cronológica de atendimento:
“Homem negro”– atendido às 9h19
- “Trazido pela polícia já cadáver, com ferimento por arma de fogo em face. Apresenta face totalmente dilacerada”, consta no boletim.
“Homem pardo” – atendido às 9h25
- “Apresenta orifício, aparente de entrada de projétil, em hemitórax direito com orifícios de saída em hemitórax esquerdo. Membros superiores com desvios ósseos e dilacerações, compatíveis com ferimento por arma de fogo”.
“Homem pardo I” – atendido às 13h07
- Assim como o “homem negro”, apresentava ferimento dilacerante em face, compatível com PAF [projétil de arma de fogo].
“Homem negro II” – atendido às 13h11
- “Trazido por policiais, já cadáver, com ferimentos em abdômen e MMII [membros inferiores] compatível com PAF.”
“Homem negro III” – o último a ser atendido na unidade, às 13h13
- “Trazido por policiais, já cadáver, com ferimento em parte posterior do tórax compatível com PAF”.
Os boletins foram apresentados à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) pela direção do complexo hospitalar.
O G1 apurou que, oficialmente, a identificação cabe ao Instituto Félix Pacheco e ao Instituto Médico Legal, para onde os corpos foram encaminhados.
Todos mortos
Assim como no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, para onde foi levada a maioria dos baleados, também no CER da Ilha todos os atingidos chegaram mortos.
Sobre a informação do Souza Aguiar, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Álvaro Quintão, afirmou ao G1 na segunda-feira (10) que o transporte dos baleados feito pela polícia foi uma “clara tentativa de que a perícia não fosse feita no local”.
Em nota, a Polícia Civil informou que “o fato de criminosos chegarem mortos à unidade hospitalar não quer dizer que não foram resgatados com vida”. A corporação alegou, ainda, que “as mortes podem ter acontecido no caminho ou na entrada ao hospital”.
E acrescentou que, “sobre as circunstâncias de eventuais socorros e da retirada de corpos do cenário, os fatos serão esclarecidos durante a investigação policial que está em andamento e sendo acompanhada pelo Ministério Público”.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que, entre a manhã e tarde do dia da operação, chegaram, já mortas, 20 pessoas no Hospital Municipal Souza Aguiar, cinco na CER Ilha e uma no Hospital Salgado Filho, no Méier.
Além dos 26, a pasta acrescentou que foram atendidos no Salgado Filho e no Souza Aguiar o policial André Frias, que não resistiu, e outros três agentes feridos sem gravidade.
Fonte: G1