Doze anos de proteção ampliada, mais denúncias e mais conscientização. O aniversário da Lei Maria da Penha – sancionada em 7 de agosto de 2006 e reforçada em 2015 pela Lei do Feminicídio – representou avanços no combate à violência doméstica e de gênero. Mas as marcas negativas teimam em chamar mais a atenção para a data. Marcas como as deixadas no corpo da advogada Tatiane Spitzner, de 29 anos, que antes de morrer ao cair do prédio em que morava, em Guarapuava (PR), foi agredida por mais de 20 minutos pelo ex-companheiro Luís Felipe Manvalier, de 32 anos, sem que ninguém denunciasse. Marcas como as sofridas pela cabeleireira Tatiane Rodrigues da Silva, de 30 anos, morta a facadas na madrugada de ontem em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, em crime atribuído ao ex-namorado, Hamilton Ezequiel da Silva, de 33, que já havia ficado 60 dias preso por agredi-la.

Advogada, cabeleireira, os crimes em Minas e no Paraná evidenciam que a violência contra a mulher não faz distinção de profissão ou extrato social. E vem crescendo, apesar do cerco da legislação. Dados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) mostram que o número de denúncias e representações recebidas vem aumentando nos últimos anos. Somente no primeiro semestre de 2018 foram abertos 2.360 procedimentos investigatórios por esse tipo de violência em Minas, o que representa média de 13 por dia.

O índice subiu em relação aos anos anteriores. Nos 12 meses de 2017 foram 4.157 casos, ou média diária de 11,3. Taxa que também havia crescido em relação ao ano anterior, quando foram 3.736 casos (10,2 por dia). Em 2018, de janeiro a junho, a média de prisões em flagrante por esse motivo chegou a 4,5 a cada 24 horas, contra 3,8 no ano anterior. A capital mineira responde por 15% do total desse tipo de crime no Estado.

Embora os dados apontem maior disposição das vítimas para denunciar, conscientizar mulheres que são vítimas de agressões em relacionamentos abusivos ainda é uma tarefa desafiadora. “O desafio é, individualmente, cada mulher enxergar a violência, para se fortalecer e romper com esse quadro”, afirma a promotora Patrícia Habkouk, da Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de BH. Assim como ela, outras autoridades ligadas ao assunto advertem: é preciso quebrar o silêncio. E quanto antes, melhor.

Apelos contra o silêncio

O aumento das denúncias de violência contra a mulher em Minas revela o alcance desse tipo de crime, mas também a maior disposição das vítimas de procurar pelos serviços de ajuda. A avaliação é da delegada-chefe da Divisão Especializada no Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (Demid) de Belo Horizonte, Danúbia Helena Soares Quadros. Mas ela alerta: é preciso que essa providência seja tomada cada vez mais cedo. “Devido a campanhas de conscientização, elas entendem que não é necessário esperar a violência física ou a tentativa de feminicídio para procurar a delegacia. A mulher tem que interromper esse ciclo desde a primeira violência”, adverte.

A policial também chama a atenção para o fato de que as denúncias não precisam partir necessariamente das agredidas, embora no caso da proteção prevista na Lei Maria da Penha essa participação seja necessária. “Em briga de marido e mulher a Justiça, a polícia, a sociedade têm que meter a colher, sim. Casos de lesão corporal, independentemente da representação da vítima, podem ser denunciados pelo telefone 180. Em caso de lesão, podemos instaurar o inquérito de imediato. Porém, a medida protetiva da Maria da Penha precisa da vítima”, explicou.

Procedimentos investigatórios instaurados em Minas culminaram no primeiro semestre deste ano em 3.797 medidas protetivas. A média, de 20,9 por dia, é maior do que a dos últimos quatro anos. Em 2017, foram 7.562 medidas ao longo de 12 meses, ou 20,7 por dia. Em 2016 foram 7.394 (20,2 diariamente) e, em 2015, 7.216 (19,7 em média a cada 24 horas). Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública, Minas teve 33 prisões este ano por descumprimento dessas medidas protetivas – prática que passou a ser considerada crime desde abril.

Os últimos dados divulgados pela pasta em relação a feminicídio e tentativa registram a mesma tendência de aumento. O número saltou de 335 em 2015 para 433 em 2017, alta de 29%. Além disso, os assassinatos de mulheres aumentaram nos últimos dois anos, passando de 353 em 2016 para 376 no ano passado, alta de 6,1%, enquanto os crimes de homicídio em geral recuaram em 5,5%, o que indica que a proporção de mulheres executadas vem crescendo no cálculo geral de assassinatos em Minas.

Para a promotora Patrícia Habkouk, o trabalho integrado é a melhor maneira de combater essa violência. Por isso, há 12 anos, foi criada a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Minas Gerais – conceito que diz respeito à atuação articulada entre as instituições e serviços oficiais, não oficiais e a comunidade. “A ideia é a concepção de trabalho articulado, órgãos governamentais e não governamentais juntos para pensar em estratégias, em políticas e serviços especializados”, disse.

“No estado todo, a Polícia Civil é a principal porta de entrada para o procedimento de medidas protetivas. Belo Horizonte tem o plantão 24 horas, é o único município do estado com esse serviço. Sempre temos pensado em estratégias de diminuir o tempo que a mulher gasta para conseguir a medida protetiva e encurtar esse caminho. Por isso a ideia da rede é importante”, afirmou.

 

Fonte: Estado de Minas||

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