Não foi fácil ser Renato Russo (1960/1996). Biografias, livros-reportagens, filmes e relatos jornalísticos lançados tanto em vida quanto após a morte do líder da Legião Urbana sempre deram conta das polêmicas, brigas, escândalos, crises de depressão e abuso de álcool e drogas que marcaram a trajetória do cantor e compositor.

No entanto, o lançamento de ‘Só por hoje e para sempre – Diário do recomeço’ torna públicas todas essas questões sob uma lente de aumento muito pessoal. Primeiro dos cinco volumes que a Editora Companhia das Letras pretende publicar com os escritos de Russo encontrados em seu apartamento em Ipanema, no Rio de Janeiro, reúne os relatos dos 29 dias em que ele passou na clínica de reabilitação carioca Vila Serena, entre abril e maio de 1993.

“Pai, por que você escreve tanto?”. “Porque nos próximos 50 anos, Giuliano, as pessoas poderão saber o que eu sinto e penso hoje”. Esse diálogo travado entre Russo e seu único filho é relatado por Giuliano Manfredini no texto que abre o volume. De acordo com o herdeiro, era desejo de seu pai que seus escritos viessem a público postumamente.

Organizado pelo jornalista Leonardo Lichote, o livro apresenta um retrato machucado, porém lúcido, do autor, a despeito de condições nem um pouco favoráveis em que ele se encontrava.

A partir do plano de tratamento da clínica (os originais estão reproduzidos na abertura do livro), o volume foi organizado. O plano foi baseado no Programa dos Doze Passos, dos Alcoólicos Anônimos. As pessoas citadas por Russo nos escritos foram apresentadas apenas com as iniciais.

Cocaína – Na tentativa de um acerto de contas consigo mesmo, Russo relembra fatos marcantes tanto do início de sua carreira quanto da vida pessoal. Admite que o abuso de cocaína atrapalhou vários dos shows. Sobre uma conhecida apresentação em 1988, em Patos de Minas, adiada para a noite seguinte depois de três músicas executadas (o que provocou um quebra-quebra no ginásio onde seria o show), ele escreveu: “De acordo com o médico que me atendeu, minha pressão estivera tão alta que eu poderia ter morrido ali mesmo…Tive muito medo. Muito”.

Sobre os companheiros de banda, no diário Russo relembra uma história também relatada por Dado Villa-Lobos em seu recém-lançado ‘Memórias de um legionário’. O dia em que Fernanda, mulher do guitarrista, deixou de empresariar a banda por causa dos excessos do líder. Segundo Russo, foi a partir do ressentimento da mulher que ele passou a olhar Villa-Lobos, que sempre considerou “admirável”, de outra maneira. “Era um amor platônico por essência, mas, em minhas fantasias, outra coisa completamente diferente”.

Seis meses após Renato Russo deixar a clínica, a Legião lançou ‘O descobrimento do Brasil’, seu sexto álbum. Entre as 14 faixas do disco estão ‘29 dias’ (“Passei vinte e nove meses num navio/E vinte e nove dias na prisão/E aos vinte e nove, com o retorno de Saturno/Decidi começar a viver”) e ‘Só por hoje’ (“Só por hoje eu não quero mais chorar/Só por hoje eu não vou me destruir/Posso até ficar triste se eu quiser/É só por hoje; ao menos isso eu aprendi”).

Na época, imprensa e fãs sabiam das agruras do líder da Legião. Mas a reunião dos escritos parte de seu tratamento de desintoxicação, dá outra perspectiva para a trajetória de Renato Russo. “Sempre me achei o máximo, mas agora tenho uma boa razão para isso! Estou voltando a ser eu mesmo!”, ele afirma, ao final do livro. 

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Redação do Jornal Nova Imprensa

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