Rodrigo Janot, ex-Procurador Geral da República, ex-PGR, no livro biográfico “Nada menos que tudo: bastidores da operação que colocou o sistema político em xeque” (São Paulo: Planeta do Brasil, 2019), citou à página 201 ter ido armado para matar uma autoridade, nestes termos: “Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha. Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não.

Em reportagem à revista Veja, Janot afirmou ser o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a autoridade citada no livro e disse “Fui armado para o Supremo. Ia dar um tiro na cara dele e depois me suicidaria”.

Gilmar protocolou petição no STF, no inquérito que apura ameaças contra ministros. O relator, Alexandre de Moraes, autorizou a proibição de Janot aproximar-se a menos de 200 metros de qualquer ministro da Corte, vedou o seu acesso às dependências do STF e suspendeu o seu porte de arma. A Polícia Federal cumpriu mandado e apreendeu uma pistola, um celular e um tablet na residência e no escritório de Janot.

É a decadência de um ex-PGR, escolhido duas vezes em lista tríplice de votação por membros do Ministério Público Federal (MPF), e, por isso, foi nomeado PGR e depois reconduzido ao cargo, nos anos 2013 e 2015, período auge das operações da Lava-Jato.

O exemplo é ruim, o relato é pior ainda e mostra a que ponto pode chegar uma autoridade descontrolada, com acesso ilimitado às repartições e autoridades públicas.

O ex-PGR fez escola, serviu de exemplo para outras pessoas fazerem agressões a autoridades. No dia 3 deste mês um procurador da Fazenda Nacional invadiu o gabinete de uma juíza federal, do Tribunal Regional Federal, em São Paulo, e tentou assassiná-la com uma faca. Segundo testemunhas, o procurador disse que queria ter entrado armado no tribunal para “fazer o que Janot deveria fazer”.

Nesse caso, o exemplo de Janot gerou em um desequilibrado a vontade de imitar as suas ações e, pior ainda, pode estar a influenciar outras pessoas a cometerem a mesma atitude despropositada e de ódio, principalmente em ambientes jurídicos (tribunais e procuradorias), onde se discutem os casos concretos à luz do ordenamento jurídico.

O fato fez diminuir as resistências internas no MPF à nomeação recente de Augusto Aras, como procurador geral da República, o qual, diferente de Janot, não constou da lista tríplice de votação do MPF.

Os fatos desiludiram os eleitores de Janot e o povo brasileiro, em um momento de descrédito da Operação Lava-Jato, envolta em acusações de estar a fazer perseguição a qualquer custo, inclusive com uso de formas inapropriadas para condenar pessoas envolvidas em corrupção.

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