O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, reconheceu nesta terça-feira (26) que errou ao pedir que as escolas filmassem as crianças cantando o Hino Nacional.

O Ministério da Educação (MEC) enviou um e-mail para as escolas do país pedindo a leitura de uma carta dele e orientando que, depois de lido o texto, os responsáveis pelas escolas executassem o Hino Nacional e filmassem as crianças durante o ato. O pedido foi alvo de críticas de educadores e juristas.

A carta é encerrada com as frases “Brasil acima de tudo” e “Deus acima de todos”, que foram o bordão da campanha do presidente Jair Bolsonaro nas eleições.

“Eu percebi o erro, tirei essa frase, tirei a parte correspondente a filmar crianças sem a autorização dos pais. Evidentemente, se alguma coisa for publicada, será dentro da lei, com autorização dos pais”, afirmou.

Questionado quando retirou o trecho do slogan, respondeu: “Saiu hoje de circulação”.

Filmagem e conflito com liberdade religiosa

 Luciano Godoy, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, diz que o pedido de gravação é uma violação de privacidade.

“A Constituição garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, e o Estatuto da Criança e do Adolescente é ainda mais rigoroso com isso. Por isso, que sempre que é feita uma imagem da criança em alguma atividade escolar, os pais precisam autorizar” –  Luciano Godoy, professor de direito da FGV

Godoy destaca ainda dois pontos que considera graves na mensagem. Ele avalia que o uso da expressão “Deus acima de todos” vai contra a liberdade religiosa.

“O Estado brasileiro é laico. Quando um documento oficial, ainda mais da área de educação, usa esse termo, está ali fazendo uma opção que pode ser da grande maioria das pessoas, mas que não é de todas”, afirma.

O presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares, Arthur Fonseca Filho, diz que o pedido é “inconveniente na forma e no conteúdo”.

“O ministério não deveria mandar um pedido que soa como uma ordem pedindo que alunos cantem o hino. Fazer isso é relevante se estiver inserido dentro de um projeto pedagógico da escola. Mas eu não posso simplesmente reunir alunos e professores e dizer que eles cantem o hino porque o ministro quer”, afirma Fonseca.

“O mais grave é o pedido de envio da gravação. Isso é ilegal. Não posso mandar imagens dos professores, alunos e funcionários sem sua autorização.”

Já a advogada constitucionalista Vera Chemim diz que não há ilegalidade na medida do MEC, desde que professores e outros não sejam obrigados a atender ao pedido. Falando em hipótese, ela diz que o Ministério da Educação não vai além de suas competências ao formular um pedido para as escolas.

“Não há ilegalidade, se se tratou de um mero pedido do Ministério”, diz ela. “Faz parte da atribuição do Ministério supervisionar e formular parâmetros para as escolas”, avalia.

Procurado pela BBC News Brasil, o MEC informou em nota que se trata de um “pedido de cumprimento voluntário” e que “a atividade faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais”.

Mensagem foi enviada pelo MEC a diretores de escolas do país (Foto: Reprodução)

Uso do slogan de campanha

 Na carta, Veléz escreve: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”.

Para Luciano Godoy, um slogan de campanha eleitoral não pode ser usado em mensagens oficiais. “A propaganda do governo deve ser impessoal e não pode fazer propaganda oficial, por isso os governos desde FHC adotam um slogan diferente daquele da campanha, para não cair nesta ilegalidade.”

Carlos Affonso Souza, professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, concorda com esta avaliação.

Ele destaca que a Constituição determina no Artigo 37 que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

Souza relembra que o Supremo Tribunal Federal confirmou uma decisão de instâncias inferiores que condenava José Cláudio Grando, ex-prefeito de Dracena, no interior de São Paulo, por improbidade administrativa por ter usado em documentos públicos, placas de obras da prefeitura e camisetas usadas por funcionários municipais os slogans de sua campanha eleitoral – “Dracena Todos por Todos Rumo ao Ano 2000” e “Dracena Rumo ao Ano 2000”.

“Toda e qualquer conduta que de forma direta ou indireta vincule a pessoa do administrador público a empreendimentos do Poder Público constitui sua promoção pessoal para proveito político, usando ilegalmente a máquina administrativa para esse fim”, disse o STF na decisão.

 

 

Fonte: G1 ||

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