A nova esperança de cura da Aids, que causou alvoroço na comunidade científica e recebeu cumprimentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ter eficácia comprovada apenas no primeiro ano de tratamento. A vacina RV 144 foi detalhada na manhã desta terça-feira (20) em Paris.
O estudo, realizado com mais de 16 mil voluntários na Tailândia e com resultados positivos de 31,2% na prevenção do contágio – uma estatística inédita – foi divulgado no dia 24 de setembro por pesquisadores americanos e tailandeses. Agora chegou a vez de os cientistas enfim apresentarem os detalhes da pesquisa, oficialmente divulgados no Congresso Aids Vaccine 2009, na capital francesa, simultaneamente com a publicação do estudo no New England Journal of Medicine.
Mais do que nunca, vamos continuar as pesquisas e aumentar ainda mais essa eficácia, afirmou Supachai Rerks-Ngarm, ministro de Saúde Pública da Tailândia e especialista em medicina preventiva. Pouco antes, ele havia detalhado os métodos do estudo e afirmado que a maioria das pessoas que responderam bem ao tratamento – uma combinação das vacinas Alvac HIV e Aids VAC BE – eram heterossexuais com baixo comportamento de risco que apresentaram melhores resultados nos primeiros 12 meses de administração da vacina, em uma duração total de três anos de testes.
Questionado sobre este ponto por Jerome Kim, cientista responsável pelo Programa Militar de Pesquisas de HIV dos EUA e parceiro do estudo, Rerks-Ngarm não negou nem confirmou o detalhe. Kim afirmou que ainda faltam análises para chegar a essa conclusão. Este estudo abriu muitas portas para novas pesquisas. É apenas um passo em direção a um caminho ainda longo que temos pela frente, declarou.
Os cientistas apresentaram as características dos voluntários que participaram dos testes em Bangcoc. Eles eram sadios e tinham entre 18 e 30 anos, casados ou solteiros. Havia entre os voluntários presidiários e prostitutas, grupos em que o risco de contrair Aids é maior.
Os voluntários começaram a receber doses de vacinas em 24 de setembro de 2003. Metade recebia Alvac HIV – desenvolvida pelo laboratório Sanofi Pasteur – ou Aids VAC BE – inicialmente feita pelo VaxGen, mas agora licenciada pelo Global Solutions fo Infectious Diseases. A outra metade era tratada apenas com placebo, ou seja, uma injeção sem qualquer efeito médico.
Passados 45 dias e sem resultados aparentes, os cientistas então aplicaram doses das duas vacinas ao mesmo tempo ao longo dos seis meses seguintes. A partir de então, a cada seis meses os voluntários eram analisados e recebiam novas injeções, ou de placebo, ou de combinação das duas vacinas juntas.
No fim de julho de 2006, o período de vacinação estava completo e, um ano depois, as primeiras estatísticas começaram a aparecer, baseadas nos estudos em 12.542 de um total de 16.402 voluntários que haviam iniciado a pesquisa. Quase 4 mil deles tiveram de abandonar o programa pela metade e não foram consideradas nas análises finais.
Além da aparente curta duração do medicamento, outro problema relacionado à RV 144 é a pequena diferença entre o número de pessoas infectadas com o vírus HIV que estavam usando os medicamentos combinados e o daquelas que estavam sendo tratadas apenas com placebo. Nos resultados finais – dos quais foi extraída a conclusão de eficácia de 31,2% -, 51 pessoas administradas com as vacinas foram infectadas pelo vírus da Aids, enquanto que, entre as demais, a contaminação foi em 74 indivíduos. Ou seja, a diferença foi de apenas 23 pessoas.
Essa diferença de apenas 23 pessoas foi detectada quando todo o grupo de 16 mil voluntários estava sendo contabilizado. Depois, com as 12,5 mil que restaram até o final, a margem diminuiu ainda mais, o que reforçaria os questionamentos sobre a representatividade dos resultados e a hipótese da maior eficácia no primeiro ano.
Os resultados ainda são muito limitados, mas em um campo em que nada acontece nunca, em que tudo é tão ruim e fraco, essa vacina não pode ser desprezada. Ela vai modificar as pesquisas de Aids, declarou o imunologista Edecio Cunha-Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e chefe do Laboratório de Imunologia Clínica e Alergia da instituição.

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