Não gostaria de opinar sobre a paralisação dos caminhoneiros. São tantas as variáveis de um problema tão complexo que as respostas para dar conta da totalidade da questão mereceriam maior reflexão antes de serem proclamadas. Mas, tendo recebido de uma amiga um recorte da edição do “Jornal do Brasil” de 4 de agosto de 1979, no qual Carlos Drummond de Andrade “descobre”, à época da revolução iraniana, o quanto o diesel faz falta em nosso cotidiano, percebo como estamos atrasados, para não dizer alienados, em relação a esse tema. Por isso, fomos tomados de surpresa ante o caos que, em uma semana, se instalou. Pelos menos, o capital financeiro, essa instância etérea (“o mercado”) que nos governa em escala mundial, viu que a economia real de produção e consumo, mediada pela distribuição, circulação ou troca, existe e incomoda todo mundo.
Vivenciamos por quase uma quinzena uma confluência de colapsos. A começar por ter sido posta a nu nossa total dependência do modal rodoviário, desde a década de 50 do século passado (mas agravada com as privatizações no setor ferroviário e com o desmonte da navegação de cabotagem nos anos 90). Além disso, restou claro sermos escravos dos combustíveis fósseis e viciados em transporte individual. E não nos esqueçamos de que os especialistas afirmam que as reservas de petróleo existentes deverão se esgotar antes do final deste século. A ironia é que tudo isso se passou pouco antes da Semana Mundial do Meio Ambiente, comemorada pela ONU.
Nessa experimentação do juízo final, tivemos de tudo um pouco. Amostras da falência de nossa política tributária regressiva, centrada em múltiplos tributos sobre consumo, o escárnio ao povo brasileiro quanto ao papel desempenhado pela Petrobras com sua política de preços, a inoperância do sistema de inteligência do Estado brasileiro e o “samba do crioulo doido” das relações entre capital e trabalho no setor de transporte: sindicatos não representavam ninguém, e ninguém sabia se o que estava ocorrendo era greve ou locaute, isto é, greve de empresários, ou uma mistura de ambos. Voltarei a isso em outro artigo. Mas equivocam-se os que querem atribuir toda essa mixórdia, pelo menos no que diz respeito às relações trabalhistas, ao governo Temer. Vale lembrar, por exemplo, que a Lei 11.442, de 2007, que permitiu forte precarização das relações de trabalho entre os caminhoneiros, foi sancionada pelo presidente Lula, tendo recebido algumas achegas que, depois, pioraram o quadro, quando a presidente Dilma sancionou a Lei 13.103, de 2015. Quem quiser saber, consulte os respectivos textos.
Pior, no entanto, foi o chamamento de “intervenção militar”, a revelar como ronda entre nós o espectro da desinformação sobre nosso passado ainda recente.
Como assinalou o professor de história contemporânea da UFRJ Daniel Aarão Reis: “Misturem-se ainda pitadas de extremistas e nostálgicos de ditaduras pretéritas. Pronto: a gororoba está no ponto, sendo certo que provocará uma indigestão amazônica. A conta será paga pelos de sempre”.

 

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