O Irã abandonou as restrições a seu programa de enriquecimento de urânio, recuando mais um passo nos compromissos assumidos com potências globais em 2015.

O anúncio ocorreu dias após os EUA matarem o principal comandante militar iraniano, Qasem Soleimani, em um ataque em Bagdá, no Iraque.

Sob o acordo de 2015, o Irã concordou em limitar “atividades sensíveis” e permitir inspeções internacionais em troca do afrouxamento de sanções econômicas ao país.

Em 2018, os EUA se retiraram do acordo e reimpuseram sanções. Um ano depois, quando as sanções foram endurecidas, o Irã começou a descumprir seus compromissos.
Mas por que os limites do enriquecimento de urânio são tão importantes?


O que é urânio enriquecido?

Os átomos de urânio têm diversas variantes, chamadas de isótopos. Todas elas têm o mesmo número de prótons no núcleo, mas diferentes números de nêutrons.
O urânio encontrado na natureza tem uma concentração de 99,27% da variante chamada U-238 e 0,72% da variante U-235, que é usada como combustível e para produção de armas.

O urânio enriquecido é o que tem alta concentração da variante U-235.

O enriquecimento é feito pela adição de gás hexafluoreto de urânio às centrífugas que separam o isótopo mais adequado à fissão nuclear, o U-235.

O urânio enriquecido é o que tem alta concentração da variante U-235 — Foto: BBC



O urânio com baixa concentração de U-235 (de 3% a 5%) é usado para a produção de combustível de usinas nucleares. O de concentração de pelo menos 20% é normalmente utilizado para pesquisas. Já o urânio com 90% de U-235 pode ser usado para a produção de armas nucleares.

Segundo o acordo de 2015, o Irã só pode enriquecer o urânio até 3,67% de U-235. Também não pode armazenar mais do que 300 quilos do elemento ou ter mais de 5.060 centrífugas.

Outra parte do pacto limita a 130 toneladas a quantidade que o país pode armazenar de água pesada — que contém átomos de hidrogênio mais pesados que a água comum. O Irã também não pode redesenhar seu reator nuclear de água pesada na cidade de Arak — o combustível irradiado de um reator de água pesada contém plutônio, que também pode ser usado para fabricar uma bomba nuclear.

O que o Irã tem feito?

Em resposta ao que considera uma falha dos participantes em cumprir o acordo, o Irã deu cinco passos para reduzir seus compromissos:

Em 1º julho de 2019, deixou de seguir limites quanto a seus estoques de urânio enriquecido e água pesada;

Em 7 de julho, começou a enriquecer urânio a uma concentração de 4,5% para poder fornecer combustível à usina Bushehr — além do limite anteriormente definido, de 3,67%;

Em 6 de setembro, deixou de seguir qualquer restrição quanto à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias de centrifugação e começou a instalar centrífugas mais avançadas;

Segundo o acordo de 2015, o Irã só poderia ter reservas de urânio de baixo enriquecimento em uma quantidade inferior a 300 quilos — Foto: Getty Images/BBC

Em 5 de novembro, retomou o enriquecimento de urânio na central de Fordo;
Em 5 de janeiro de 2020, deixou de seguir qualquer restrição quanto ao número de centrífugas em operação.

O Irã disse que o quinto passo significava que não haveria mais qualquer restrição a seu programa de enriquecimento de urânio e que as operações seriam “conduzidas conforme suas necessidades técnicas de agora em diante”.

Mas o país diz que continuará a cooperar com a agência global que monitora o cumprimento do acordo nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), e que reaplicará as restrições do acordo caso as sanções dos EUA sejam retiradas.

Por que essa discussão é importante?

Especialistas alertam que, caso o Irã retome o enriquecimento em níveis mais altos, haverá um corte no chamado tempo de ruptura — o tempo estimado para chegar ao combustível nuclear necessário para fabricar uma bomba.

Isso porque o tempo usado para mudar o estado natural do urânio — ou seja, uma concentração de 0,7% de U-235 — para o nível de 20% representa cerca de 90% do esforço para obter o material necessário para fabricar uma bomba nuclear.

Antes de o acordo nuclear ser implementado, em 2016, o Irã tinha uma quantidade considerável de urânio enriquecido a 20% e um número de centrífugas que permitia um tempo de ruptura estimado entre dois e três meses.

Em 5 de janeiro de 2020, o Irã deixou de seguir qualquer restrição quanto ao número de centrífugas em operação — Foto: BBC

A estratégia que o país adotou pode levar a uma posição de “violação material” do acordo nuclear, o que permitiria aos outros signatários do pacto “reaplicar” as sanções da ONU e da União Europeia que haviam sido abolidas anteriormente.

Nenhum membro do Conselho de Segurança da ONU poderia vetar uma medida como essa.

Por que o Irã parou de cumprir seus compromissos?

A economia iraniana despencou desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou seu país do acordo nuclear, em maio de 2018, e começou a restabelecer as sanções contra o Irã.

Trump disse que o acordo falhou e que ele queria forçar o governo iraniano a renegociar seus termos, o que o Irã se recusou a fazer.

Na época, as outras partes do acordo — Reino Unido, França, Alemanha, China e Rússia — criticaram a decisão de Trump e disseram que iriam manter o compromisso com o pacto firmado em 2015.

Em maio deste ano, porém, a Casa Branca aumentou a pressão sobre o Irã ao acabar com as isenções a sanções secundárias para países que ainda estavam comprando o petróleo iraniano.

Trump também eliminou as isenções a países que compravam estoques de água pesada do Irã ou forneciam um concentrado mineral não enriquecido conhecido como “bolo amarelo” (óxido de urânio) em troca de excedentes de urânio de baixo enriquecimento do país persa.

Essas transferências permitiram que o Irã continuasse a produção de ambos os materiais sem exceder os limites de armazenamento estipulados pelo pacto.

O ‘bolo amarelo’ é usado para preparar, em fábricas nucleares especializadas, o combustível de reatores nucleares, onde é processado e purificado para obter dióxido de urânio (UO2). — Foto: Getty Images/BBC

O presidente do Irã, Hassan Rouhani, posteriormente disse que retaliaria as sanções dos EUA e suspender seu compromisso de cumprir os limites de reservas.

As autoridades iranianas indicaram que o Artigo 36 do acordo nuclear permite a uma das partes “deixar de cumprir os seus compromissos total ou parcialmente” em caso de “não cumprimento significativo” por parte dos restantes signatários.
O Irã afirma que os Estados Unidos violaram o acordo há um ano e que os países europeus não conseguiram fornecer os benefícios econômicos prometidos.

A União Europeia estabeleceu um mecanismo para facilitar o comércio entre o Irã e o bloco, conhecido como Instex, que essencialmente permite a troca de mercadorias entre empresas iranianas e estrangeiras sem transações financeiras diretas. O sistema começou a operar em 29 de junho, mas o Irã disse que ele não atende a suas necessidades.

O Irã quer ter uma bomba nuclear?

O Irã afirma que nunca tentou desenvolver uma arma nuclear.
A comunidade internacional, no entanto, não acredita na afirmação e usa como base a evidência compilada pela AIEA, que sugere que, até 2003, o Irã realizou “uma série de atividades relacionadas ao desenvolvimento de um artefato explosivo nuclear”.

Algumas dessas atividades continuaram até 2009, segundo a entidade.
Em 2018, Israel divulgou arquivos obtidos clandestinamente do Irã e que provariam que Teerã, depois de 2015, continuou a pesquisar sobre como fabricar armas nucleares. O governo do Irã negou a acusação, chamando-a de “ridícula”.
Em janeiro de 2019, sistemas de inteligência dos Estados Unidos, no entanto, afirmaram que o Irã “não está atualmente realizando as principais atividades de desenvolvimento de armas nucleares que acreditamos serem necessárias para produzir um dispositivo nuclear”.

 

Fonte: BBC News ||
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