Não estão apenas na crise fiscal que assolou o país nos últimos três anos e no atraso constante de repasses de recursos federais e estaduais os únicos responsáveis pela calamidade financeira de boa parte dos municípios mineiros. Uma pesquisa do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) aponta que a ineficiência fiscal, seja na cobrança ou na fiscalização de tributos municipais, também é elemento forte nessa equação em que cidades arrecadam cada vez menos, mas não podem reduzir gastos com serviços básicos à população e pessoal concursado, por exemplo.

Alguns exemplos: das 597 prefeituras que responderam ao questionário do TCE-MG, dentre os 853 municípios do Estado, 87,13% não tinham sequer um cronograma estabelecido para a fiscalização de tributos; 88,17% não possuíam planejamento para essa finalidade e 77,02% não realizavam monitoramento da arrecadação. Os dados são de 2017.

Pessoal
Em relação ao pessoal incumbido de fazer a fiscalização e a coleta de impostos, em 63,14% das cidades os servidores precisam ter apenas nível médio de ensino e em outras 22,05% não há qualquer restrição de escolaridade. Em 6,35%, a exigência é de ensino fundamental para os fiscais e somente em 8,47% eles precisam ter curso superior. A consequência é que em 65% das prefeituras consultadas os fiscais em exercício não têm diploma universitário.

Chama atenção ainda o fato de que 80,42% das cidades não fizeram concursos públicos para a carreira específica de fiscalização tributária nos últimos cinco anos. Praticamente o mesmo percentual (80,83%) não paga aos fiscais adicionais ou qualquer gratificação ou vantagem que varie de acordo com o desempenho.

O levantamento, intitulado Receitas Públicas Municipais, faz parte de um programa orientativo do TCE, iniciado no ano passado. Foram feitas aos prefeitos 92 perguntas divididas em cinco tópicos, abordando as áreas de legislação, recursos humanos, infraestrutura, procedimentos e cobrança judicial.

No último item, 86,42% dos municípios não contam com procuradores ou advogados que se dediquem exclusivamente a essas questões e a quase totalidade deles (98,59%) não tem empresas contratadas para a função. Falta ainda infraestrutura: 74,25% não dispõem de softwares de inteligência fiscal e mais da metade (53,44%) sequer conta com ferramentas de informática para o controle de arrecadação.

“Com os questionários, identificamos em alguns municípios deficiências estruturais, organizacionais e até de planejamento na área fiscal”, afirma a diretora do Centro de Fiscalização Integrada e Inteligência (Suricato) do TCE-MG, Milena de Brito Alves. “Nosso objetivo, com os dados, é estudar a situação dos municípios a fundo, com as particularidades de cada um, para auxiliá-los a escolher a forma mais adequada de atuar na gestão tributária e melhorar sua arrecadação”, completa.

Repasses

O TCE-MG divulgou, em 2017, outro levantamento que indicou sérios problemas na arrecadação de impostos em municípios mineiros. Os empecilhos apontados também foram relativos à ineficiência na cobrança de tributos, mas em razão de isenções e renúncias fiscais indevidas, o que provoca aumento da dependência das cidades de repasses vindos dos governos estadual e federal.

O levantamento mostrou que em 568 das 853 cidades do Estado, ou 66% delas, a receita proveniente de transferências da União e do Estado correspondia a mais de 80% do total arrecadado entre 2013 e 2016.
Em três cidades – Senador Cortes, na Zona da Mata, Santa Rosa da Serra, no Alto Paranaíba, e Juramento, no Norte de Minas –, a arrecadação com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) havia sido simplesmente zero em 2016.

Para o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e prefeito de Moema, Julvan Lacerda, o trabalho do TCE-MG é válido porque, “de fato, boa parte das prefeituras do Estado apresenta deficiências na gestão fiscal e precisa aprimorar esse setor para elevar as receitas”.

Ele lembra, porém, que mesmo com um maior empenho na cobrança de impostos como o IPTU, o ISS e o ITBI, os principais tributos municipais, o grau de dependência da maioria das cidades relativa a repasses federais e estaduais continuaria sendo um gargalo para as finanças das prefeituras.

“A parte que cabe ao município arrecadar, mesmo que com a maior eficiência do mundo, ainda é pequena se comparada à responsabilidade do Estado e da União para com as cidades, com uma série de transferências de receitas que têm atrasado e colocado as cidades em situação delicada”, afirma ele.

“Sem falar que mais de 60% dos municípios de Minas têm menos de 12 mil habitantes, contam com pouco potencial arrecadatório e os prefeitos, que são os agentes políticos que ficam mais próximos dos cidadãos, sabem que agir com mais rigor na gestão fiscal pode sufocar ainda mais a população”, completa.

Bom exemplo

São comuns os casos de cidades de Minas Gerais que apresentam ineficiência fiscal, como apontado na pesquisa do TCE-MG. Mas também há exemplos de municípios que, com o trabalho de reorganização da gestão tributária, melhoraram a situação financeira.

Em Bom Despacho, com 50 mil habitantes, o prefeito Fernando Lacerda (PPS), advogado e ex-auditor do Tribunal de Contas da União, reestruturou o setor a partir do início do primeiro mandato, em 2013.

“Fizemos modificações na área tributária com recursos próprios, ajustando a atuação dos fiscais, usando o pessoal que já tínhamos na casa e procurando aplicar as leis que já existiam”, diz. “O resultado foi que aumentamos o percentual da arrecadação própria na nossa receita de 3% a 4%, em 2012, para quase 20% este ano”, acrescenta.

Segundo Cabral, uma das medidas foi relativa ao IPTU, com a regularização das plantas e a efetiva cobrança de devedores, até a execução fiscal, o que não vinha ocorrendo na gestão anterior. “A arrecadação do IPTU saltou de R$ 2 milhões, há seis anos, para um total previsto de R$ 12 milhões, em 2018”, ressalta, lembrando que, na cobrança dos atrasados, os compromissos foram hierarquizados, com prioridade para os grandes sobre os pequenos devedores.

O prefeito também destaca a implantação da Nota Fiscal Eletrônica para tributos municipais, que propiciou mais segurança e facilidade para contribuintes e o poder público. “Nesse caso, a arrecadação saltou de R$ 80 mil para R$ 600 mil por mês”, diz.
Cabral pondera que, mesmo que muitas cidades mineiras não tenham o potencial de arrecadação de Bom Despacho, a reorganização fiscal “vale a pena para qualquer prefeitura e para a população”.

 

Fonte: Hoje em Dia ||

COMPATILHAR: