As recentes lutas pelo poder no Brasil, entre os partidos de esquerda e de direita, e também os atos publicizados de corrupção e desvios de conduta de diversos partidos, políticos, empresas e empresários, estão inseridos em um ambiente de democracia plena, advindo de anos de luta pelo seu ressurgimento no Brasil, com a concretização de diversos direitos fundamentais para o povo brasileiro, petrificados principalmente no artigo 5º, da Constituição Federal.

E é neste momento, que presencio, de forma preocupante, brandir por alguns uma possível volta dos militares, via golpe militar, pois em muitos casos não viveram ou mesmo se esqueceram das dificuldades que vivemos nos anos de ditadura no Brasil.

Todo regime não democrático, de exceção, seja de direita ou de esquerda, implica necessariamente na supressão e controle dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, do direito de ir e vir, das correspondências, de reunião, de privacidade, censura dos meios de comunicação, etc.

No Brasil, não foi diferente, e durante os anos do governo militar, chamados de anos de chumbo, vivenciou o cerceamento de diversos direitos fundamentais.

É neste sentido, que sou completamente a favor de um regime democrático, por propiciar a livre e espontânea expressão de todos e o surgimento de novos líderes. Esta pluralidade de ideias catalisa as discussões e valoriza o debate necessário para legitimar as decisões que impulsionam a democracia.

Como exemplo das brutalidades perpetradas por governos de exceção, precisamos relembrar os diversos Atos Institucionais executados pelo governo militar iniciado após 1964.

O Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, definiu que a revolução militar ficava investida do exercício do Poder Constituinte. O poder revolucionário por si só se legitimava e passava a editar as normas necessárias. Os chefes da revolução passaram a representar, de forma imposta, o povo. A eleição do presidente e vice-presidente da República passou a ser feita, de forma indireta, pelo Congresso Nacional. Ficou definido que ficavam suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade ou estabilidade e os titulares dessas garantias poderiam ser demitidos, dispensados, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva, sendo vedado o controle jurisdicional da apreciação de sua conveniência ou oportunidade. Poderiam ser suspensos os direitos políticos, pelo prazo de 10 anos e serem cassados os mandatos, excluída a apreciação judicial desses atos.

Pela simples leitura dos poderes advindos do Ato Institucional nº 1 percebe-se o ambiente de dificuldades vividas na época, com perseguições a funcionários públicos de todos os poderes, de prisões de líderes políticos e a consequente suspensão dos direitos políticos.

A edição do Ato Institucional nº 2, no dia 27 de outubro de 1965, veio consolidar o cerceamento das liberdades políticas, com o cancelamento dos partidos políticos e a criação de dois partidos, um de apoio ao governo (Aliança Renovadora Nacional, Arena) e o de oposição (Movimento Democrático Brasileiro, MDB).

O Ato Institucional nº 3, de 5 de fevereiro de 1966, exacerbou mais ainda a retirada da prerrogativa do povo de escolher os seus representantes, passando os cargos do Poder Executivo (presidente, governador e prefeito de Capital) serem escolhidos de forma indireta.

O Ato Institucional nº 4, de 7 dezembro de 1966, convocou o Congresso Nacional para aprovar o Projeto de uma nova Constituição, elaborado pelos Comandantes da Revolução. Por ela, os decretos de leis passariam a ter 60 dias para serem votados no Congresso e, após este prazo, eram considerados automaticamente aprovados. Assim, desta forma, o Congresso, em um ambiente de limitações de direitos políticos, foram obrigados a aprovar a nova Constituição.

Nos anos de 1967 e 1968 a resistência à ditadura se ampliou, via movimento estudantil e a reação dos trabalhadores ao arrocho salarial. Houve repressão, prisões e até mortes. Em 1968 surgiram as ações armadas de guerrilha, com a execução de diversos assaltos. Em 12 de outubro de 1968 a polícia prendeu 1000 estudantes, participantes do Congresso da UNE, em Ibiúna, os quais foram fichados pelo DOPS e os líderes ficaram presos. Muitos fatores testaram o poder de paciência dos militares, sendo o de maior repercussão o discurso do Deputado Márcio Moreira Alves, na Câmara dos Deputados, propondo boicote contra os militares.

A resposta do governo militar não tardou. No dia 13 de dezembro de 1968 editou o Ato Institucional nº 5. Faz a previsão de poder o Presidente da República decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras dos Vereadores, em estado de sítio ou fora dele, somente voltando a funcionar por convocação do Presidente da República. Com a decretação do recesso, o Poder Executivo correspondente ficou autorizado a legislar em todas as matérias. O presidente da República ficou autorizado a demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares de cargos públicos, inclusive de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista. E, por fim, foi suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular, com julgamento por tribunais militares, sem recurso. Além do mais, para exacerbar o seu caráter ditatorial, todos os atos com base no AI-5 não podiam ser objeto de apreciação pelo Judiciário.

Constata-se, pelos exemplos acima, como os direitos fundamentais de votar e ser votado, de ir e vir, de privacidade das comunicações e correspondências, ficaram limitados e cerceados, implicando em um ambiente de controle de toda forma de contestação do governo. Os movimentos sociais e sindicais passaram para a obscuridade. A censura dos meios de comunicação impedia a publicação de qualquer notícia sobre casos de corrupção ou desvios de conduta do governo. Quaisquer críticas a políticas públicas eram considerados atentados contra a segurança nacional. Os artistas tinham suas peças de teatro, seus artigos e jornais censurados. A liberdade existente era somente aquela permitida pelos censores.

O Poder Executivo legislava livremente e o Legislativo era de fachada. Os militares, por fala do próprio General Newton Cruz, propalavam que a democracia era a lei posta para todos cumprirem, não se admitindo discussões do seu conteúdo e aplicação coercitiva.

A classe trabalhadora viveu anos de arrocho salarial, com proibição do exercício do direito de greve e com a imposição de reajustes via decreto presidencial. Os Sindicatos de Trabalhadores sofreram intervenção, com prisão e condenação de dirigentes, inclusive com denúncias de torturas.

Os políticos, de esquerda e de direita foram cassados e mesmo exilados, como Juscelino Kubitscheck, João Goulart, Leonel Brizola e também um grande apoiador do Governo Militar, Carlos Lacerda.

Mesmo a democracia brasileira sendo recente, os ganhos de liberdade de expressão e comunicação, principalmente, são muito grandes. As pessoas podem hoje defender quaisquer ideias, pertencer a qualquer partido, escreverem artigos defendendo ideias de direita ou de esquerda. A implantação de um possível governo ditatorial implicaria em retrocesso estupendo, inclusive com vigilância dos opositores nas redes sociais e marginalização de todos os partidos, movimentos sociais, sindicatos e meios de comunicação de oposição.

É a partir da história e do seu conhecimento que nos damos o direito de ter a escolha de não cometer os mesmos erros. Viver em um ambiente democrático, de livre discussão de ideias para a construção de um novo futuro, deve ser aproveitado e somente nele podemos viver um amanhã pleno de cidadania para todos, pois não é o militarismo que tem que tomar o poder e sim o próprio poder, advindo do povo, ser legitimado para reerguer as instituições necessárias ao um governo pleno e satisfatório.

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