Claro que, num período de tantas visões que se entrechocam em nosso país – período que se abriu, a meu ver, não com algum “golpe” que tenha destituído Dilma Rousseff, mas com a loucura de, em 2010, ela compor com Temer e o PMDB uma só chapa, para garantir a vitória dela como sucessora de Lula –, fico quase perdida em meio a tanto assunto a ser abordado neste jornal.

Disponho de espaço pequeno. Por injunção do destino, tive vida pouco rotineira, e tudo isso me torna alguém que busca estar “antenada” com a vida brasileira, apesar de meus 73 anos de idade. Quando começo a preparar este artigo, que é publicado às quartas-feiras, tenho um verdadeiro rol de assuntos enfileirados para serem tratados. É sempre um tormento escolher qualquer um deles.

Hoje resolvi tratar de um que me preocupa sobremaneira. Mais que isso: está virando uma ideia fixa em minha cabeça o retorno sorrateiro da censura às artes, depois de sua bem-vinda abolição em 1988.

Não posso aqui fazer uma história – que seria muito longa – sobre essa maldição na vida do Brasil. Vou apenas mencionar casos que muitos esquecem. JK, o aclamado “presidente democrata”, praticou a censura a músicas no Brasil. Que o diga Billy Branco, com sua canção “Não Vou, Não Vou pra Brasília”, por ocasião da mudança da capital. Simplesmente não podia ser tocada nas rádios! Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo, pouco lido fora do círculo dos “iniciados”, teve várias peças proibidas durante a democracia, a partir de 1946. E curioso: algumas foram liberadas pela censura após o golpe militar. Por exemplo, a premiada “Álbum de Família”, proibida em 1946 e liberada em 1965, sendo apresentada em 1967. Para não citar a maravilhosa “Anjo Negro” e a “Senhora dos Afogados”.

A lista seria longa. Como escreve Miliandre Garcia (“A censura de costumes no Brasil: Da institucionalização de censura teatral no século XIX à extinção da censura da Constituição Federal de 1988”), “no contexto democrático, a criação do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), além de responder pela censura prévia de diversões públicas, buscava também legitimar a existência da censura no campo da moral”. Até aqui, percorremos um longo e extenuante caminho…

As manifestações, que como rastilho de pólvora começaram em Porto Alegre, passaram pelo Rio de Janeiro e agora já chegam a Minas Gerais, querendo a censura à apresentação de nu artístico, me apavoram. Estou acostumada a visitar (agora, até virtualmente) museus mundo afora, onde grupos de crianças e jovens, conduzidos por seus professores, fazem excursões por galerias – em Boston, em Berlim, em Atenas – em que se veem vasos antigos da Grécia Clássica nos quais é mostrado, claramente, o costume de iniciação sexual de jovens em cópulas com os cidadãos nos banquetes masculinos, reuniões então conhecidas como “simpósios”!

Meu receio maior é que, da suspeitíssima “proteção às crianças”, amanhã nasça e se fortaleça como natural a proibição e todos nós tenhamos de nos comportar segundo cânones dos ignorantes ou imbecis de plantão…

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