Laura* engravidou aos 13 anos e manteve a gestação em segredo por cinco meses. Yara* pesquisou métodos abortivos por uma semana até resolver ter o filho, aos 16. Eduarda*, de 17, morre de medo do parto. Apesar dos nomes fictícios, as histórias são reais e se confundem com as de adolescentes que se tornam mães precocemente. Muitas foram obrigadas a largar os estudos e o lazer para se dedicar integralmente a outra vida.

Em média, 39 mineiras de 12 a 17 anos dão à luz por dia no Estado. Os dados mais recentes mostram 10,7 mil registros de janeiro a setembro de 2018 – não há dados comparativos do mesmo período de 2017. Profissionais que atuam nas unidades de saúde dizem que houve ligeiras reduções nos últimos anos, mas que o número atual é alto e preocupa. 

O tema voltou à tona com a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, que chegou ao fim na sexta-feira (8), e foi determinada por uma lei federal. A Secretaria de Saúde de BH informou não ter realizado nenhuma ação para a data. Já a pasta da Saúde estadual distribuiu cadernetas informativas.

Riscos
Desejadas ou não, essas gestações oferecem perigo à saúde da jovem e do recém-nascido. Além dos riscos de partos prematuros, podem ocorrer complicações como hemorragias, anemia, hipertensão arterial e transtornos psicológicos, principalmente ansiedade e depressão.

“Há ainda um aumento da mortalidade materna, bem como repetição da gravidez num curto espaço de tempo”, acrescenta a médica e professora-adjunta do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, Eura Martins Lage.

A hipertensão arterial induzida pela gravidez foi um drama vivido por Laura. “Por conta disso, tive um pouco de dor de cabeça e inchaço nas pernas. Quando fui ganhar o bebê, até tentaram induzir o parto, mas foi preciso fazer a cesariana”.

Ela conta que usava anticoncepcional, mas a pílula, comprada sem a indicação de um profissional, teria falhado. 

“Tomava direitinho, sem faltar nenhum dia, e por conta própria, pois é difícil falar sobre sexo”, conta. Por vergonha e medo da reação da avó e das tias, com quem mora, Laura escondeu a gravidez.

Perfil
Uma pesquisa divulgada recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que as jovens sem escolaridade ou apenas com a educação básica têm quatro vezes mais chances de engravidar se comparadas àquelas com ensino médio ou superior.

Outra tendência observada é que elas acabam abandonando os estudos. Caso de Eduarda, que largou a escola quando cursava a 1ª série do ensino médio devido aos enjoos constantes. Sem saber quando será capaz de retornar, ela pretende ingressar na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, depois, arrumar um emprego.

Nem a adolescente nem o namorado utilizam métodos contraceptivos. Mais consciente, ela diz que foi irresponsável. “A partir de agora, vou me proteger melhor para não acontecer de novo”.

Apoio da família é fundamental para evitar a depressão

Encontrar apoio nos círculos social e familiar, junto à necessidade de amadurecimento rápido, está entre as principais dificuldades enfrentadas por essas jovens. A descoberta da gravidez e o medo do que viria pela frente fez com que Yara chegasse a planejar como “tirar a criança”. “Foi horrível. Chorei muito durante vários meses”.

Temendo as possíveis complicações de um aborto, a adolescente resolveu contar a situação ao pai. “Já sabia que era perigoso, então resolvi mostrar o exame. Foi muito difícil. Inicialmente, ele me xingou, mas me convenceu a não tirar e, junto com minha mãe, disse que iria me apoiar”, recorda.
Além dos familiares, o apoio do companheiro é fundamental. Laura conta que o mais complicado foi justamente lidar com o descaso do pai do bebê.

“É aquele negócio. Estamos juntos, mas não estamos”. O rapaz, de 24 anos, sequer a visitou no hospital. Muito triste, ela evita dar detalhes sobre o assunto.

“Também temos que incluir o pai na questão. É um desafio além da paternidade, que começa desde a infância. Lembrar que a anticoncepção é uma responsabilidade dos dois, porque a sociedade joga este peso muito mais na mulher”, diz Ana Cristina Pinheiro, referência técnica na Atenção à Saúde da Criança e Adolescente pela Secretaria de Saúde de BH.

 

Depressão
Sem o devido amparo, os riscos tendem a ser maiores. Conforme a médica e psicanalista Soraya Hissa de Carvalho, a situação pode evoluir para um quadro de depressão. 

“Elas saem da infância rápido demais, sem tempo de curtir a adolescência. Será uma criança cuidando de outra criança, que precisa abrir mão de uma vida, que não tem maturidade. Muitos casos levam, inclusive, ao abandono do bebê”, afirma.

Conversa franca pode prevenir a gravidez na juventude, mas é preciso sensibilizar os homens

O diálogo é uma das principais formas de se evitar a gravidez na adolescência. No centro de saúde do bairro Floramar, na zona Norte de Belo Horizonte, é realizado há dez anos um projeto que busca estreitar os laços com as adolescentes da região. Idealizado pela assistente social Gislene Nogueira, uma roda de conversa acontece todas as quintas-feiras com as moradoras.

A ideia surgiu quando a mulher trabalhava no Hospital Sofia Feldman, maior maternidade pública do país em número de partos. Também participam da iniciativa uma ginecologista e uma técnica em saúde bucal do posto. Os resultados têm sido positivos.

“É simples, mas de muita potência. O Floramar é o bairro que tem o menor índice de gravidez da regional Norte”, afirma Gislene. Para ela, porém, melhorias ainda são necessárias. “É preciso ser ampliado para todas as unidades básicas e precisamos atingir mais homens, porque a mudança acontece na vida das meninas, mas os rapazes continuam do mesmo jeito”.

Nos encontros, o ponto principal é escutar as jovens, como forma de acolhimento. São discutidos temas como sexualidade, gravidez, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), educação, família e até mercado de trabalho. Tudo isso a partir das ideias, temores, dúvidas e experiências das pacientes. Gislene faz um trabalho semelhante nas escolas estaduais da área.

Além disso

Não há serviço específico de acolhimento às adolescentes grávidas na rede estadual de ensino. Já a Secretaria de Estado de Saúde (SES) diz que a prevenção e o acompanhamento são realizados em postos de saúde. As casas de apoio e a Rede Cegonha, projeto que visa a assegurar às mulheres a atenção humanizada à gravidez, não fazem distinção de idade. Em BH, atendimentos são feitos nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). 

Na sexta-feira, os ministérios da Saúde, da Mulher, Família e Direitos Humanos, da Educação e da Cidadania assinaram parceria para traçar ações conjuntas até 2022 para reduzir a gravidez precoce. Entre os objetivos estão promover apoio profissional qualificado em prevenção à gestação na adolescência, ampliar o acesso das menores aos serviços de saúde e fomentar ações educativas voltadas para elas.

 

 

Fonte: Hoje em Dia ||

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