A tão esperada e debatida reforma política finalmente saiu. Após meses de idas e vindas, o presidente Michel Temer (PMDB) sancionou, na sexta-feira (6), o projeto aprovado nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Ele tinha até o dia 7 de outubro para sancioná-lo para que algumas regras já passassem a valer a partir das eleições de 2018. As principais mudanças são a criação de um fundo público de cerca de R$2 bilhões para financiar as campanhas eleitorais, uma cláusula de barreira que pretende diminuir o número de partidos presentes na Câmara e o fim das coligações proporcionais, a partir de 2020, nas eleições para o Legislativo.

A principal preocupação dos parlamentares era a criação do grande fundo público, um ponto polêmico e rejeitado entre a opinião pública — sobretudo porque beneficia grandes e tradicionais partidos. Com a decisão do Supremo, em setembro de 2015, de proibir o financiamento privado, legendas e candidatos arrecadaram R$3,3 bilhões para as eleições municipais de 2016, quase metade do que em 2012 (R$6 bilhões), segundo o TSE. Com o temor de não terem dinheiro para bancar suas reeleições em 2018, os parlamentares aprovaram um fundo eleitoral com um orçamento de dois bilhões de reais para o ano que vem. Este valor se soma ao bilhão de reais ao qual eles já têm direito via fundo partidário (entenda abaixo).

A reforma também deixou pelo caminho uma série de iniciativas, como a adoção do chamado distritão, muito criticado por especialistas. Temer cumpriu a promessa de vetar, após uma enxurrada de críticas, um polêmico artigo que previa a censura automática de publicações nas redes sociais que contivessem “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato”.

Veja abaixo as principais mudanças e o que ficou de fora da reforma.

O que ficou na reforma

» Fim das coligações

Deputados federais e estaduais continuarão a ser eleitos pelo sistema proporcional, no qual as cadeiras são distribuídas com base na votação total dos candidatos do partido ou da coligação (tantos os eleitos como os não eleitos), além dos votos na própria legenda. A única diferença é que, a partir de 2020, as coligações entre partidos estarão proibidas nas eleições para a Câmara.

Nas eleições majoritárias (presidente, governadores e senadores), as coligações serão mantidas. O que significa que partidos continuarão a poder somar seus tempos de rádio e televisão.

» Cláusula de barreira

A partir de 2018, para que tenham acesso ao Fundo Partidário à propaganda gratuita no rádio e TV, os partidos deverão ter ao menos 1,5% dos votos válidos distribuídos em pelo menos nove Estados, com um mínimo de 1% dos votos em cada uma das 27 unidades da Federação; ou eleger nove deputados federais, sendo um por cada Estado.  Em 2030, este percentual subirá para 3%. A ideia é evitar a proliferação de partidos pequenos no Parlamento, o que dificulta a governabilidade.

» Fundo eleitoral bilionário

Valor: aproximadamente dois bilhões de reais para 2018, que se somam aos quase um bilhão de reais do fundo partidário. O fundo para a campanha será abastecido com 30% das emendas parlamentares de deputados e senadores. Também com o dinheiro que será arrecadado com o fim da compensação fiscal que era dada às emissoras de rádio e televisão pela propaganda partidária em ano não eleitoral.

Divisão entre partidos: 2% de todo o fundo será dividido de forma igual entre todos os partidos; 35% serão divididos na proporção do percentual de votos obtidos pelos partidos na eleição anterior para a Câmara dos Deputados (desde que o partido tenha eleito pelo menos um deputado); 48% serão divididos na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados no dia 10 de agosto de 2017; 15% serão distribuídos na proporção do número de representantes no Senado no dia 10 de agosto de 2017.

Divisão entre candidatos: 50% ao candidato a presidente, governador ou senador; 30% aos candidatos a deputado federal; 20% aos candidatos a deputado estadual.

» Propaganda na Internet

Hoje a propaganda na Internet está proibida. Mas, com a reforma política, fica permitido o impulsionamento de conteúdo, ou seja, o pagamento para que postagens em redes sociais como o Facebook alcancem um número de usuários maior. Uma das críticas é que esta norma gera uma desigualdade econômica ao beneficiar exclusivamente algumas plataformas, como o próprio Facebook, em detrimento de outras, como sites e blogs.

» Teto de gastos em campanhas

A reforma política estabeleceu um teto de gastos para as campanhas com valores absolutos, que variam de acordo com o cargo disputado.

Campanha de candidato à Presidência: R$70 milhões.

De candidato a governador: de R$2,8 milhões a R$21 milhões (valor depende do número de habitantes de cada Estado).

De candidato a senador: R$2,5 milhões a R$5,6 milhões (também depende do número de habitantes do Estado).

De candidato a deputado: R$2,5 milhões.

O que ficou de fora da reforma

» Doações de pessoas físicas e Limites para o autofinanciamento

A regra que continua valendo é a de que as doações de pessoas físicas não podem ultrapassar 10% da renda bruta do ano anterior. Mas Temer vetou um artigo aprovado por deputados e senadores que estabelecia um limite de doação de até 10 salários mínimos (R$9.690 ) para cada cargo em disputa. Caso uma pessoa decidisse doar, em 2018, para candidatos a todos os cargos, ela poderia então doar no máximo 50 salários.

A mesma regra vale para o chamado autofinanciamento (isto é, aqueles candidatos que quiserem doar para suas próprias campanhas), o que favorece os mais ricos. Entretanto, este é um dos pontos que geraram polêmica e confusão no Congresso nos últimos dias. Isso porque a Câmara aprovou uma emenda que estabelecia um teto de R$200 mil para o autofinanciamento. Mas o Senado fez uma manobra de última hora para permitir que um candidato pudesse bancar até 100% de sua campanha. Mas, devido a uma confusão, o projeto enviado a Temer sancionar estabelecia que o limite para o autofinanciamento seria o mesmo das doações de pessoas físicas, de até 10 salários mínimos.

» Distritão e distrital misto

Uma das propostas mais discutidas pela Câmara, mas que também mais rejeição causou, era a de eleger deputados através do distritão. A ideia era aprovar este sistema para 2018 e depois migrar para o distrital misto em 2022. Caso a proposta tivesse sido aprovada, os Estados virariam distritos e apenas os candidatos mais votados em cada entrariam. Em suma, a Câmara estaria adotando um sistema majoritário, o que aumentaria ainda mais a fragmentação partidária, manteria as campanhas caras, não tornaria os eleitores mais próximos aos candidatos, faria com que o sistema fosse menos representativo e seria mais vantajoso para candidatos conhecidos ou em posse de poderosas máquinas partidárias e dificultaria a renovação do Parlamento. Mas a própria Casa derrubou a proposta tamanha era sua impopularidade.

O sistema distrital misto ainda está sendo debatido no Congresso e tem o apoio de pessoas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB). Caso seja aprovado, valeria para as eleições de 2022.

Mas, por enquanto, o que segue valendo ainda é o sistema proporcional (descrito acima).

» Censura na Internet

Após uma torrente de críticas, Temer decidiu vetar um artigo da reforma política que abria caminho para que fossem retirados das redes sociais, sem a necessidade de uma decisão judicial, as publicações com “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato”. Para que isso acontecesse, bastava que uma pessoa denunciasse uma publicação, segundo o texto da emenda proposta pelo deputado Áureo (Solidariedade-RJ). A emenda havia sido aprovada na madrugada da última quinta-feira, no apagar das luzes. Caso não fosse vetada, teria alto impacto em redes sociais como Google, Facebook ou Twitter, o que espalhou preocupação tanto entre executivos das gigantes tecnológicas como nas poderosas associações de rádio e TV, revistas e jornais que lançaram nota de repúdio.

» Candidaturas independentes

Chegou-se a discutir na Câmara a possibilidade de autorizar as chamadas candidaturas independentes e avulsas, ou seja, aquelas na qual uma pessoa participa de um pleito mesmo sem estar filiada a um partido político. Apesar de ser presente na maioria dos países democráticos – como na França, que acaba de eleger para presidente um candidato sem partido, Emmanuel Macron – , os deputados descartaram esta proposta. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal irá julgar uma ação que poderá liberar este tipo de candidatura, que acabaria com o monopólio dos partidos políticos no Brasil.

» Mandato em tribunais superiores

Outra proposta que ficou fora da reforma política por decisão dos deputados era a de estabelecer mandatos de 10 anos para ministros Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União. Ela só valeria para os novos ministros escolhidos. Os que já estão nas Cortes, continuariam sendo vitalícios. Seus defensores argumentam que a medida oxigenaria o Judiciário brasileiro e o aproximaria de algumas cortes europeias, onde há mandato. Seus críticos diziam que poderia fazer com que alguns dos magistrados usassem o cargo como uma ponte para entrar na vida política.

 

 

Fonte: El País ||

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