A Federação Internacional de Poluição por Petroleiros (ITOPF, na sigla em inglês) tem um guia público de boas práticas para a limpeza de locais contaminados. O órgão já atuou em mais de 800 vazamentos causados por navios em 100 países diferentes nos últimos 50 anos.

A federação foi procurada pelo Brasil por intermédio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) após surgirem as manchas de óleo que poluem as praias do Nordeste. Desde 30 de agosto, mais de 200 locais foram afetados pelas manchas. O balanço mais recente, divulgado pelo Ibama em 28 de outubro, aponta 254 localidades.

O ITOPF enviou pelo menos três técnicos para o país. Apesar da parceria, ações de limpeza realizadas na costa brasileira não seguem os protocolos indicados pela entidade em pelo menos quatro pontos (leia mais sobre cada ponto abaixo):

  1. Contato com o óleo;
  2. Descarte dos resíduos;
  3. Óleo boiando no mar;
  4. Corais e mangues.

Questionado pelo portal G1, o diretor do ITOPF disse que foram feitos manuais com as recomendações em português. Esses guias foram distribuídos para a Marinha e o Ibama, que repassariam as informações a autoridades municipais e estaduais. A reportagem solicitou acesso aos manuais distribuídos no Brasil, mas não obteve retorno.

No entanto, há relatos de locais onde falta equipamento para todos os voluntários, que também não recebem instruções de como deve ser feita a limpeza. Segundo o diretor técnico da federação, a limpeza manual é a mais indicada para o caso das manchas de óleo no Nordeste.

“A melhor técnica aqui é a limpeza manual, para ser seletivo e reduzir o dano ambiental, considerando a natureza do óleo e dos substratos contaminados. Máquinas como tratores podem ser usadas onde for possível, mas é preciso levar em consideração os possíveis efeitos no meio ambiente, inclusive em ninhos de tartarugas”, diz Richard Johnson, diretor técnico do ITOPF.
O G1 entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente, que não comentou as ações de limpeza e as orientações repassadas a grupos de ativistas até o momento. Em comunicados públicos, o governo fez alertas para o uso de equipamentos de proteção individual.

Veja, em quatro pontos, quais são as recomendações do principal guia da associação e o que está acontecendo, na prática, nas praias do Nordeste:

Contato com o óleo

Recomendação: O contato com petróleo sem equipamento de proteção deve ser evitado.

Na prática: Em ao menos dois estados, voluntários sofrem intoxicações após contato direto com a substância. Também houve relato de equipamentos insuficientes. O Ministério da Saúde nega situação crítica e pede que voluntários usem luvas.

Voluntários retiram óleo da Pedra do Xaréu, no Cabo de Santo Agostinho, Litoral Sul de Pernambuco — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

O guia da ITOPF destaca as vantagens da limpeza manual de praias, porque ela produz menos resíduo para descarte do que a limpeza feita com tratores e máquinas, na qual muito material limpo é retirado junto com os rejeitos. No entanto, a associação destaca que “praias afetadas pela poluição podem ter de ser fechadas ao público durante as ações de limpeza” e alerta para os riscos que o contato com o óleo traz para a saúde.

“Um grande vazamento de óleo cru em centros populacionais potencialmente traz preocupações em relação à saúde, incluindo reclamações de dificuldades respiratórias, náuseas e dores de cabeça”, diz o relatório.

Há poucos registros de praias interditadas ao público por conta do óleo. No último dia 22, as manchas de óleo causaram a interdição de duas praias de Morro de São Paulo, na Bahia. As praias foram liberadas no mesmo dia, após a retirada de 1,5 tonelada de resíduo.

Civis que participam das ações de limpeza tiveram alguns dos sintomas que a entidade classifica como preocupantes em seu guia. Pelo menos 19 voluntários relataram náusea e queimação na pele após contato com o óleo em Pernambuco e no Ceará.

Há vários casos de ações de limpeza organizadas por moradores sem equipamento adequado: em Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, um voluntário retirou resíduos descalço e sem camisa, com o corpo e parte do rosto cobertos de óleo; na capital Recife, dezenas de voluntários atuaram com roupas de banho, em contato direto com a substância tóxica.

Também em Pernambuco, um menino de 13 anos foi fotografado na praia de Itapuama com o corpo coberto de petróleo, em imagem que viralizou na redes sociais.

Uma comerciante da região disse que o material distribuído para os voluntários não era o bastante para evitar contato com o óleo. “A luva é curta e a areia entra na bota, então só adianta se, na área em que você estiver, for pouco óleo para limpar”, disse a voluntária.

Menino protege o corpo com sacos de lixo ao retirar petróleo na praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco — Foto: Leo Malafaia/AFP

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, negou uma situação crítica e disse que pessoas intoxicadas durante o trabalho de limpeza do óleo em praias do Nordeste usaram produtos “mais tóxicos que o petróleo” para limpar o material. Ele disse, ainda, que os voluntários devem usar equipamentos de proteção, como luvas.

Segundo um pesquisador brasileiro especialista em recuperação de áreas atingidas por petróleo, três compostos voláteis presentes no petróleo são extremamente perigosos a longo prazo – e o uso de luvas não é o bastante para evitar a exposição a eles. Além de alto potencial cancerígeno, o contato com benzeno, tolueno e xileno pode provocar doenças no sistema nervoso central.

Descarte dos resíduos

Recomendação: Resíduos devem ser armazenados em sacolas resistentes e posicionados em locais protegidos para evitar contaminação secundária.

Na prática: Voluntários recolhem óleo em baldes e sacolas plásticas. Há casos de sacos que estouram na praia e de vazamentos durante o transporte do resíduo.

Em Pernambuco, sacolas plásticas com óleo retirado das praias estouram e vazam na areia — Foto: José Dilermando/TV Globo

A retirada de óleo deve ser feita com cuidado para evitar contaminação secundária, determina a organização internacional de poluição por petróleo.

A ITOPF destaca que o resíduo deve ser coletado em sacolas com limite de até 15 kg. Para suportar esse peso, as sacolas devem ser, idealmente, de borracha. Podem ser reutilizadas sacolas de fertilizantes, mas o ideal é que elas sejam feitas de material resistente, com pelo menos 500 gauges de suporte.

“Sacolas mais leves se deterioram rápido e podem explodir, causando contaminações secundárias”, indica a associação.

Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho e voluntários retiram óleo de praias e mangue do município — Foto: San Costa/TV Globo

O relatório informa, ainda, que as sacolas cheias devem ser colocadas sobre mantas de plástico na areia, para evitar que o líquido delas vaze.

O cenário das ações de limpeza no Nordeste é diferente. Um vídeo desta quinta (24) mostrou óleo caindo de um caminhão que levava o resíduo retirado da Praia do Janga, em Pernambuco.

Em muitos locais, o resíduo foi armazenado em sacolas comuns, que estouraram e deixaram vazar óleo em locais não contaminados: na Praia do Paiva, em Cabo de Santo Agostinho, parte dos sacos plásticos não resistiu ao peso; na Praia de Itapuama, os sacos com resíduos ficaram espalhados em vários locais da praia sem nenhuma proteção entre eles e a areia, como recomenda a ITOPF.

Sacos espalhados em trecho da Praia de Itapuama, no Cabo de Santo Agostinho, onde voluntários ajudam na limpeza do óleo — Foto: Reprodução/TV Globo

Óleo boiando no mar

Recomendação: A remoção de manchas de óleo boiando perto da costa deve ser priorizada.

Na prática: Não se sabe a quantidade de óleo que foi retirada do mar antes de chegar às praias. Ações de limpeza se concentram na remoção de resíduos na areia. A Petrobras afirma que não tem equipamentos para limpeza no mar.

17 de outubro – Mancha de óleo é vista na praia de Peroba, em Maragogi (AL) — Foto: Diego Nigro/Reuters

O guia da organização internacional determina que é essencial que a limpeza de manchas seja feita ainda no mar.

“Em todos os casos, a prioridade deve ser remover o óleo boiando perto da costa o mais rápido possível, para prevenir que ele atinja áreas novas ou já limpas”, explica a ITOPF.
No entanto, a maior parte das ações de limpeza no Nordeste se concentra na retirada do óleo que já chegou às praias. Isto ocorre porque o material viaja na subsuperfície e, portanto, as manchas só são visíveis quando chegam muito perto do litoral.

A Petrobras reconheceu na sexta-feira passada (25) não ter mecanismos técnicos para conter a substância no mar e precisa esperar que o material chegue às praias para fazer a limpeza.

“Fica praticamente impossível você pegar esse óleo e segurar com barreiras e outros instrumentos que a gente tem. Então, o mecanismo de captura tem sido no momento em que a maré e a corrente jogam para a praia”, disse o diretor de Assuntos Corporativos da companhia, Eberaldo Neto.

Em Pernambuco, uma mancha de óleo foi contida em alto mar em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, no domingo (20), por equipes do governo estadual.

A Marinha também realizou algumas ações pontuais de retirada de manchas na água: em Recife, uma das ações recolheu 700 kg de óleo no dia 22; outro barco, em Jaboatão dos Guararapes, coletou resíduos na água no dia 21; uma terceira embarcação tirou manchas do mar em Ponta de Serrambi no dia 18.

Apesar disso, diversas manchas que foram vistas no mar chegaram a tocar a costa antes de serem totalmente removidas. Em Pernambuco e em Alagoas, manchas de até 3 metros de diâmetro foram vistas no dia 17. Uma força-tarefa instalou boias e mantas para remover o material em alto mar, mas nos dias subsequentes o óleo chegou às praias da região.

Corais e mangues

Recomendação: Áreas sensíveis devem ser limpas naturalmente para evitar maiores danos.

Na prática: Ações de limpeza com voluntários estão retirando óleo de manguezais e recifes de corais.

Voluntários retiram óleo do mangue no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife — Foto: Beatriz Castro/TV Globo

O protocolo internacional recomenda que, na maior parte dos casos, áreas sensíveis como manguezais e recifes de corais sejam deixados intocados após o contato com o óleo.

“Quando as circunstâncias permitirem, a limpeza natural é a melhor opção para paisagens sensíveis como manguezais e recifes de corais. Ficou provado que, em muitas ocasiões, atividades para limpar a poluição resultaram em mais dano que o próprio óleo, devido a pisoteamento e erosão”, diz o guia.
O corte de estruturas contaminadas no mangue deve ser evitado por conta do longo tempo de recuperação da vegetação.

Em relação aos recifes de corais, a orientação é similar.

“Se corais forem atingidos pelo óleo é melhor deixá-los sem modificação e esperar que ocorra a recuperação natural. A limpeza natural pode ser auxiliada com uso de mangueiras de baixa pressão carregadas com água salgada”, explica a ITOPF.

No entanto, em atividades de limpeza no Nordeste, há voluntários retirando manualmente o óleo de corais e manguezais. Em Morro de São Paulo, na Bahia, foi feito um mutirão de limpeza no manguezal. Em Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, também houve limpeza no mangue.

Em Ipojuca, Pernambuco, mergulhadores voluntários e guarda-vidas removeram petróleo de uma área perto dos corais da praia do Cupe. Em Maracajaú, no Rio Grande do Norte, os corais também foram atingidos, mas a prefeitura não fez a limpeza dos parrachos por falta de pessoal e equipamentos.

 

Fonte: G1 ||
COMPATILHAR: