Para quem esperava do ex-BBB o oportunismo barato das celebridades que se elegem, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ)tem sido reconhecido pelo seu engajamento. Desde que chegou à Câmara, o militante gay apanha da chamada bancada conservadora, mas mostra que também sabe bater.
O senhor tem uma trajetória política peculiar. Como a descreve? Primeiro, é importante que a gente enriqueça a nossa compreensão da política. A compreensão tradicional, de que a política é passada de pai para filho, através das capitanias hereditárias, é muito pobre. Há outros políticos que não vieram dessa tradição. A política não era algo ausente da minha vida. Eu venho do movimento pastoral da Igreja Católica, participei das comunidades eclesiais de base na minha cidade natal, Alagoinhas. Aos 18 anos, eu me mudei para Salvador e fiz vestibular para jornalismo. Lá, eu retomo o meu ativismo, mas no movimento gay (na época, não se chamava movimento LGBT). Como estudante, participei da organização das primeiras paradas gays de Salvador. Depois, quando me formei, levei esse ativismo político e pró-direitos humanos para a minha atuação como jornalista.
Com essa trajetória, causa uma certa estranheza o senhor ter participado do Big Brother Brasil. A minha dissertação de mestrado tratava das narrativas de presidiários. Mas, depois, eu decidi mudar meu objeto de estudo para os reality shows. Eu queria estudar o reality show numa pesquisa diferente, no que nós chamamos de pesquisa de recepção. Isso implicava em fazer uma etnografia do programa. Eu me inscrevi, fui selecionado e aí as coisas saíram do controle. Acabei virando um personagem da mídia. Venci o programa, o que era uma coisa que eu não esperava. Com isso, fiquei com uma batata quente na mão porque acabou desviando o meu roteiro inicial, que era a questão do estudo. Então, tive de administrar durante um tempo esse legado: a transição da minha participação no programa para aquilo que eu era antes. Eu tive de fugir dessas coisas que fazem as pessoas que deixam um reality show, como participar de festas etc. Nesse período, trabalhei dois anos como repórter da TV Globo. Quando achei que era o momento certo, pedi demissão da emissora e voltei para a academia para retomar a minha vida.
Foi aí que o senhor decidiu participar da política partidária? Ao voltar para academia, voltei também para o ativismo político no movimento social. Nessa época, vim ao Congresso fazer uma comunicação em defesa do Estado laico e do projeto de lei que criminaliza a homofobia. Aí, o então senador Aloizio Mercadante (atual ministro de Ciência e Tecnologia) perguntou por que eu não era filiado a um partido político. Respondi que não achava isso importante. Ele argumentou que eu era uma figura de carisma, popular, e que o lugar para a transformação efetiva era a política institucional. Eu fiquei com isso na cabeça, e pensei: enfim, chegou a hora de eu me filiar a um partido. Relutei em me candidatar. Sabia dos preconceitos dos jornalistas, principalmente daqueles que cobrem a política, e temia ser jogado na vala comum das pessoas famosas que entram na política. Mesmo assim, saí candidato e me elegi.
A militância política do senhor é marcada pela defesa dos direitos dos homossexuais. Por que o envolvimento com essa causa? Ora, porque eu sou gay. Simples assim. Não tem justificativa maior para eu me engajar nessa luta senão o fato de ser homossexual e sentir na pele os efeitos da discriminação. A injúria e a discriminação se apresentam na vida de um gay muito cedo, antes mesmo de ele saber o que são práticas sexuais. A primeira vez que eu ouvi a injúria tinha apenas 6 anos, não sabia o que é ser gay. Mas só o fato de não corresponder ao papel atribuído ao gênero masculino por essa sociedade heteronormativa – não jogar futebol, preferir ficar com as meninas – já fazia com que eu fosse injuriado.
O reconhecimento dos direitos dos homossexuais avançou do dia em que o senhor tomou posse para hoje? Essa avaliação é muito difícil de fazer. O que eu posso dizer é que a minha presença no Congresso é significativa, porque sou homossexual assumido e não há hierarquia entre nós. Eu me coloco ao lado dos caras que estão aqui. Estou do lado deles tratando das mesmas questões que eles tratam: de finanças e tributação ao Código Florestal à Comissão da Verdade. Isso é muito significativo porque você tira o homossexual desse lugar subalterno em que a sociedade sempre o confinou, para mostrar que ele está habilitado a tratar de qualquer tema. Não precisamos ficar confinados nesses estereótipos, nessa crença de que nascemos para sermos cabeleireiros, maquiadores, ou para trabalharmos na esfera das artes. Nada contra essas atividades, pelo contrário.
Entre os Poderes da República, o Legislativo seria o mais refratário ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais? No Brasil, o Poder Executivo e o Poder Judiciário avançaram muito mais do que o Legislativo em relação à cidadania LGBT. Quem ficou para trás foi o Legislativo, principalmente porque é composto, em sua maioria, por uma bancada conservadora, que trabalha contra direitos já conquistados, não só de homossexuais. Essa bancada conservadora vai contra o direito de negros – querem, por exemplo, acabar com o sistema de cotas – e contra direitos conquistados pelas mulheres. O Estatuto do Nascituro, que está tramitando, representa passos para trás no que diz respeito ao direito da mulher sobre o seu corpo.
O que move essa bancada conservadora a que o senhor se refere? O simples preconceito, ou há outras razões? O principal é o preconceito. Mas, muitas vezes, eles querem criar cortinas de fumaça, porque, quando você entra nas questões morais – que suscitam paixão -, tira o foco do que realmente interessa. Muitos desses deputados e senadores que investem duramente em ações contra homossexuais estão envolvidos em escândalos de corrupção. Quando os políticos chamam a atenção para uma questão moral, fazem com que o eleitorado não preste atenção naquilo que realmente interessa. Então, há preconceito, mas há também má-fé, cinismo e uso deliberado dessa pauta para esconder esquemas de corrupção.
Agora que o STF reconheceu a união estável homoafetiva, qual o foco do movimento LGBT? O nosso primeiro foco é o casamento civil, e o segundo, a criminalização da homofobia. Eu não gosto muito de usar o termo criminalização, porque não se trata de matéria penal meramente. Não é só isso. Queremos equiparar a homofobia ao antissemitismo – o ódio contra judeus – e ao racismo. Agora, o casamento civil é importante para que todos tenham a sua relação conjugal protegida pelo Estado. Com o casamento civil, você, heterossexual, goza da proteção do Estado porque, automaticamente, o Estado reconhece você e a sua mulher como uma entidade familiar. Eu não, porque sou homossexual. Esse direito me é negado.
O Congresso Nacional está discutindo neste momento a reforma política. É possível incluir a questão dos direitos dos homossexuais nesse debate? Não diretamente. Seguramente, o voto distrital é um voto que não vai ajudar as representações das minorias porque defender direitos de negros, povos indígenas, mulheres, deficientes, idosos, crianças e dos homossexuais não traz popularidade. As discussões em torno dos direitos dessas minorias acabam caindo em questões morais. Não é à toa que os candidatos a presidente, governador, nunca tocam nesses temas porque isso desperta paixões e faz com que o eleitorado se volte contra eles. Poucos são os que, corajosamente, enfrentam esse tema. O voto distrital, portanto, não vai ajudar essas minorias porque a chance de os representantes delas se elegerem se tornam minúsculas. Se você não tem representante, os direitos não podem ser defendidos. Aí não vai haver lei que proteja essas minorias.

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