Um ex-detento pode fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar o entendimento sobre o consumo pessoal de drogas no país. Hoje o usuário é um criminoso, mesmo não estando sujeito à prisão. Essa conduta está no artigo 28 da Lei de Drogas. Se o STF julgar esse artigo inconstitucional, o porte de drogas para uso próprio deixa de ser crime. O relator é o ministro Gilmar Mendes.

 Um levantamento  sobre presos por tráfico mostra que, após a Lei de Drogas, de 2006, o tráfico de entorpecentes passou a ser o crime que mais encarcera no Brasil. Os processos também mostram prisões de usuários como traficantes e penas de sete anos por quantidades mínimas de drogas apreendidas.

O caso julgado pelo STF é o de um presidiário que cumpria penas que somavam mais de dez anos de prisão no CDP de Diadema e foi solto em janeiro deste ano. A polícia encontrou 3 gramas de maconha em um marmitex em sua cela.

O preso foi condenado como usuário de drogas à prestação de serviços à comunidade, mas sua defesa não se conformou. No recurso, seu defensor alega que ninguém pode ser punido por ser usuário, pois o que se faz na vida privada não afeta terceiros.

Os ministros do Supremo devem responder à seguinte questão: o usuário de drogas afeta outras pessoas com sua conduta?

– Se sim, deve ser punido, em nome da saúde pública. É o argumento dos que acreditam que o usuário alimenta o tráfico.

– Se não, sua vida privada não deve ser invadida pelo estado, portanto, usar drogas não é crime.

“A maioria dos casos é assim. Quantidade muito baixa, sempre em locais pobres, pessoas jovens, geralmente primárias. Daria para fixar a pena de 1 ano a 8 meses. A gente está enxugando gelo”, diz o defensor público Leandro de Castro Gomes, que apresentou o recurso extraordinário do preso ao STF.

A palavra do STF sobre o tema terá repercussão geral, ou seja, valerá para os casos semelhantes. Ao todo, 96 processos esperam por essa decisão final.

Mas o primeiro beneficiado pelo futuro entendimento, se aceita a tese da Defensoria, pode sequer vir a saber seu destino. Seu defensor mudou de cidade e perdeu contato com o atendido. Segundo a Vara de Execuções Penais de Itu, interior paulista, Francisco Benedito de Souza está em liberdade desde 23 de janeiro de 2015.

 Ele ainda responde a processos, mas a própria Justiça não conseguiu encontrá-lo depois que ele deixou a prisão. Seu último endereço informado fica em Itu, onde dois oficiais de Justiça tentaram, em vão, notificá-lo. No local, ninguém confirma conhecer Francisco Benedito de Souza.

Julgamento
Segundo o defensor, uma decisão do STF não significa a liberação das drogas. “Se o STF entender que é inconstitucional, o tráfico continua sendo crime”, explica. “O que pode acontecer são alguns efeitos reflexos. A rigor, uma pessoa poderia fazer um pequeno cultivo para o seu próprio uso. Mas vai haver uma insegurança jurídica. Porque sempre vai ficar na valoração de um policial, porque a lei não tem critérios objetivos. Então se eu tiver uma hortinha, o PM pode entender que é para o tráfico”, avalia Gomes.

“Na verdade, essa decisão tem um caráter simbólico, para mostrar que a gente precisa repensar a política pública em relação às drogas”, complementa. “Países como os EUA, onde se iniciou esse proibicionismo, já estão tendo essa modificação.”

 

O que diz o art.28

– Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

 

O STF já forçou mudanças na Lei de Drogas. A liberdade provisória a presos por tráfico só foi permitida em 2012, quando a Corte, por maioria de votos, derrubou um dispositivo da lei que impedia a concessão. “A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a exceção à regra”, disse o então ministro Ayres Britto.

 

O crime continua sendo inafiançável e sem possibilidade de sursis (suspensão condicional da pena), graça (perdão da pena pelo presidente da República), indulto e anistia, o que se aplica tanto ao usuário preso como ao traficante.

 

G1

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