A presidente do STF tomou nessa terça-feira uma decisão que vinha sendo aguardada pela comunidade científica há três anos. A ministra Ellen Gracie marcou para o próximo dia 5 de março o julgamento sobre a legalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil.
Vai a julgamento um processo inaugurado em maio de 2005. Nasceu de uma ação em que o procurador-geral da República de então, Cláudio Fonteles, questionou a constitucionalidade do artigo 5° da Lei de Biossegurança, que fora aprovada pelo Congresso havia três meses.
Em seu artigo 5°, a lei autorizara a utilização, em pesquisas científicas, de dois tipos de embriões humanos: os considerados ?inviáveis? e aqueles que estivessem congelados há mais de três anos. Para Fontelles, o artigo fere um princípio inserido na Constituição brasileira: a ?inviolabilidade do direito à vida?.
Na ação, o ex-procurador-geral esgrime a tese segundo a qual a vida começa na fecundação. A prevalecer esse argumento, a destruição do embrião para a realização de pesquisas científicas afrontaria o texto constitucional, que assegura a todos o direito à vida.
Chama-se Carlos Ayres Brito o ministro escalado para relatar o processo no STF. Ele já concluiu o seu voto. Entregou-o a Ellen Gracie. Mas recusa-se a antecipar o conteúdo do texto. Limita-se a dizer que ?enfrentou? o ponto central da polêmica suscitada pela ação de Cláudio Fonteles. Resume-se numa pergunta: ?Um embrião congelado em laboratório tem direito à vida ou essa garantia constitucional só se aplica aos embriões já implantados no útero da mulher??.
Eis um resumo da encrenca que Ayres Brito e seus 10 colegas de STF terão de decidir daqui a 21 dias.
Os embriões
Os embriões que, nos termos da Lei de Biossegurança, podem ser usados em pesquisas científicas encontram-se em clínicas de fertilização. Resultam de procedimentos de fertilização in vitro. Trata-se do método de reprodução ao qual recorrem os casos às voltas com a infertilidade. Uma parte desses embriões é considerada inviável. Outros tantos, por excedentes, são congelados até que o casal submetido a tratamento decida o que fazer com eles. Muitos permanecem no gelo por mais de três anos. Pela lei, os embriões inviáveis e os excedentes poderiam ser usados em pesquisas científicas, mediante autorização dos donos.
As pesquisas,
As células-tronco embrionárias tornaram-se uma grande promessa da medicina depois que se verificou que elas têm a capacidade de se transformar em tecidos do organismo humano. Acredita-se que, com a evolução das pesquisas, elas podem levar à cura de doenças tão graves quanto o diabetes, as distrofias musculares e as lesões de medula que provocam a paraplegia e tetraplegia. Tudo não passa, porém de promessa. Nada ainda disponível, na prática.
Direito à vida,/b>
A questão essencial a ser definida no julgamento do STF é o momento exato em que o embrião evolui da condição de mero aglomerado de células para o estado de ser vivo, com os mesmos direitos assegurados a qualquer cidadão. A questão não é polêmica apenas no Brasil. A dúvida está presente em debates realizados ao redor do planeta. Divide cientistas e filósofos. Debates do gênero são travados em todo o mundo. Os defensores do uso científico das células-tronco sustentam que o embrião só vira gente no instante em que é transferido da proveta para o útero materno.
Destino dos embriões

O STF só tem dois caminhos a adotar. Se mantiver o texto da Lei de Biossegurança, os embriões vão à pesquisa. E ponto final. Restará torcer para que os estudos evoluam para as curas milagrosas prometidas pelos cientistas. Se der razão ao ex-procurador Cláudio Fontelles, os ministros farão boiar no plenário do Supremo um lote de perguntas inquietantes: 1) o que fazer com os embriões abandonados nas clínicas de fertilização por mais de três anos? Faz sentido que sejam mantidos indefinidamente no freezer? Deve-se mandá-los ao lixo? Não seria mais sensato permitir que sejam utilizados nas terapias celulares se e quando elas estiverem disponíveis?.
Para complicar, a sessão do STF vai à agenda num instante em que a Igreja Católica acaba de lançar a Campanha da Fraternidade de 2008. Tem como lema o seguinte enunciado: Escolha, pois, a vida. Insurge-se contra o aborto, a eutanásia e também contra as pesquisas com células-tronco embrionárias. A propósito, Cláudio Fonteles, o autor da ação que passará a monopolizar as atenções do Supremo, é católico fervoroso.
A sessão de 5 de março é vista pelos próprios ministros do STF como histórica. Um deles disse que considera esse julgamento tão ou mais importante do que aquele que resultou na transformação da denúncia do mensalão em ação penal. No caso do mensalão, disse o ministro, sob a condição do anonimato, lidamos com a ética na política. No caso das células-tronco, estamos lidando com a ética da vida. Da nossa decisão depende o futuro da pesquisa médica no Brasil. Não é pouca coisa.
A exemplo do que ocorreu com o mensalão, o julgamento do processo das células-tronco, por polêmico e complexo, pode exigir a realização de mais de uma sessão. Algo que prolongaria o suspense por mais um ou dois dias. O resultado é, por ora, imprevisível.

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