O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (22) impor restrições para que o poder público forneça medicamentos sem registro na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

As restrições propostas pelos ministros são diferentes e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, vai proclamar o resultado na parte da tarde, para que os ministros façam ajustes e cheguem a um consenso sobre essas regras (veja os votos abaixo).

A maioria também considerou que o poder público não deve ser obrigado a fornecer medicamentos sem registro na Anvisa que estejam em fase de testes. Para eles, nesses casos, a situação será analisada individualmente.

Quatro ações estão na pauta do Supremo e envolvem outras discussões, que ainda serão finalizadas, como o fornecimento de remédios de alto custo e que não estão na listagem de medicamentos gratuitos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outro tema a ser tratado é quem deve ser responsável pelo pagamento dos medicamentos, estados ou União. O julgamento deve continuar ao longo desta quarta no STF.

O julgamento começou em 2016, quando três ministros votaram sobre o tema: o relator, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Cada um deu um voto diferente, propondo condições para o fornecimento dos remédios.

Os dois casos – ações dos governos do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais contra decisões que os obrigaram a fornecer remédios – têm repercussão geral. Com isso, o que o Supremo decidir valerá para todos os casos semelhantes que tramitam na Justiça.

Argumentos
Ao votar nesta quarta, o ministro Alexandre de Moraes disse que o poder público somente pode ser obrigado a fornecer o remédio sem registro se a Anvisa perder o prazo de 365 dias para avaliar o caso. Nos casos de doenças raras, esse período é de 180 dias.

“Não se trata de Estado contra indivíduo. A questão funda-se concretamente na necessidade de se validar jurídica e constitucionalmente as opções do Poder Público de se priorizar coletivamente o direito à saúde”, afirmou Moraes.

“Se trata de analisar, e isso às vezes em decisões vem sendo esquecido, que a arrecadação estatal é finita, que o orçamento é finito, e que a destinação à saúde pública igualmente é finita”, completou Moraes.

O ministro Ricardo Lewandowsi também votou a favor de permitir o fornecimento, com restrições: “Em princípio, não é possível exigir-se sempre um remédio que não consta na lista da Anvisa, mas, em circunstâncias excepcionais, isso pode sim ser deferido”, argumento Lewandowski.

O ministro Luiz Fux seguiu a mesma linha. Ele sustentou em seu voto que em casos excepcionais os medicamentos podem ser fornecidos.

“A Anvisa não é obrigada em princípio a fornecer os medicamentos não previstos na sua tabela, até porque não é judiciário que vai se imiscuir nessa matéria por falta de expertise e de capacidade institucional. Em segundo lugar é possível que nos casos excepcionais e naqueles em que há previsão de autorização especial que, aí sim, haja fornecimento de medicamentos fora da tabela da Anvisa desde que preenchidos os requisitos legais e jurisdicionais aqui fixados”, afirmou Fux.

Para a ministra Rosa Weber a regra deve ser o medicamento fornecido pelo poder público ter o registro da Anvisa. Para ela, casos sem registro devem ser a exceção.

“A regra é de que é indispensável o registro do medicamento na Anvisa, e que em nenhuma hipótese há possibilidade de requerimento em fase experimental, mas em situações, excepcionais permite-se, o que a própria Anvisa em sua própria normatividade prevê, permite-se que caso a caso eventualmente se chegue a uma conclusão diversa”, afirmou a ministra.

Restrições apresentadas pelos ministros Marco Aurélio Mello, relator, e Dias Toffoli

De acordo com o ministro, o medicamento sem registro na Anvisa deve ser fornecido quando houver as seguintes condições:

– se for imprescindível para o tratamento do paciente;
– se não puder ser substituído por outro já disponibilizado pelo SUS;
– se a família do paciente não tiver condições de pagar;

Além disso, Marco Aurélio entendeu que é possível a importação de remédios que, mesmo não registrados na Anvisa, não sejam fabricados ou comercializados no Brasil.

Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Rosa Weber

Para os ministros, os remédios sem licença devem ser fornecidos quando forem atendidos estes critérios:

– incapacidade financeira do paciente;
– prova de recusa do órgão técnico em incorporar o medicamento no SUS;
– inexistência de substituto terapêutico na rede pública;
– eficácia do fármaco para tratar a doença;

Além disso, entenderam que o custo deve caber à União, por ser o ente responsável por incorporar medicamentos ao SUS.

Também assinalaram que o fornecimento será permitido desde que o remédio esteja em avaliação por mais de um ano e já tenha registro em agências de Estados Unidos, Europa ou Japão.

Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia

Medicamento sem registro deve ser fornecido quando forem atendidas as condições a seguir:

– prévio pedido ao SUS;
– paciente obteve receita por médicos da rede pública com indicação do remédio;
– justificativa da inadequação de outro tratamento na rede pública;
– laudo do médico que indique necessidade, estudos e vantagens do tratamento.

Alexandre de Moraes

Para o ministro, o medicamento deve ser fornecido se Anvisa não seguir prazo de 360 dias para avaliar o remédio, ou 180 dias, se a doença for rara. Ele impôs as seguintes restrições:

– ações que demandem medicamentos sem registro na Anvisa devem ser ajuizadas na Justiça Federal;
– juízes não podem determinar o fornecimento de medicamentos experimentais;
– magistrados podem determinar à Anvisa a possibilidade de registro, e não o fornecimento;
é necessário comprovar insuficiência financeira do paciente, não abrangendo a família;
– o juiz pode nomear perito de sua confiança para dizer se os medicamentos se aplicam à doença.

Ricardo Lewandowski

Medicamento deve ser fornecido caso preenchidos os seguintes requisitos:

– confirmação do alto custo do remédio, assim como a impossibilidade financeira do paciente e da família;
– comprovação “robusta” da necessidade do medicamento, por meio de laudo técnico oficial;
– indicação de inexistência de tratamento oferecido pelo SUS ou de que o tratamento oferecido não surtiu os efeitos esperados, de forma que o medicamento sem registro seja a única forma viável de evitar o agravamento da doença;
– prévia indeferimento de requerimento administrativo ou ausência da análise em tempo razoável pelos entes políticos demandados para início ou continuidade do tratamento de saúde;
– comprovação da eficácia do remédio atestado ou aprovado por entidade governamental similar à Anvisa, como uma universidade.
– ausência de solicitação do registro do medicamento junto à Anvisa ou demora irrazoável no procedimento da análise;
– determinação de que o interessado informe periodicamente por meio de relatórios médicos e exames comprobatórios de controle da doença a evolução do tratamento de forma a mostrar a – eficácia do tratamento a justificar sua manutenção.

O ministro Celso de Mello não participou do julgamento.

O que está em jogo?
A judicialização da saúde é hoje um dos principais temas do Judiciário brasileiro, afirmam recorrentemente ministros do Supremo. No caso dos medicamentos, há centenas de processos espalhados em tribunais de todo o país. A maioria dos casos envolve doenças raras, e o juiz determina a concessão do remédio.

Segundo dados do Ministério da Saúde, até 2016 o governo federal já havia cumprido 16,3 mil decisões sobre fornecimento de medicamentos.

De 2010 a 2015, houve aumento de 727% nos gastos referentes à judicialização dos medicamentos.

O caso chegou ao Supremo porque há dois princípios constitucionais diferentes defendidos por cada lado:

O poder público argumenta que a concessão de medicamentos caros coloca em risco o fornecimento do básico para toda a coletividade e também diz que não há orçamento disponível para medicações caras para apenas uma pessoa;
Já os doentes que precisam dos remédios argumentam que a vida delas depende daquilo e que os medicamentos são, na maioria das vezes, a única esperança de sobrevivência.
No julgamento, os ministros devem responder a dúvidas como:

– O poder público deve fornecer apenas medicamentos previstos na lista do SUS ou outros?
– É possível obrigar o fornecimento de medicamentos que não estejam registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)?
– Remédios em fase de testes também devem ser fornecidos obrigatoriamente?
– O paciente sempre deve comprovar não ter condições financeiras de comprar ou em todos os casos o poder público é obrigado a fornecer?

 

Fonte: G1||https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/22/maioria-do-stf-impoe-restricoes-para-fornecimento-de-remedio-sem-registro-na-anvisa.ghtml

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