O barulho estridente de latas sendo amassadas já é familiar aos ouvidos do pequeno João (nome fictício). Ainda no ventre da mãe, ele se habitou ao som, sinônimo de sustento para toda a família. Hoje, aos 8 anos, ele não apenas escuta o incômodo ruído, mas tem a árdua tarefa de revirar lixo à procura de latas de alumínio no Centro de Belo Horizonte e contribuir com o curto orçamento doméstico. Histórias como a de João fazem parte de uma dura realidade brasileira: a da exploração do trabalho infantil.
Dados do mais recente levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009, revelam que o país tem 123 mil crianças com idade entre 5 e 9 anos trabalhando. O cenário é ainda mais preocupante na faixa etária dos 5 aos 17 anos, com 4,3 milhões de meninos e adolescentes ocupados. O número representa quase 10% da população nessa idade.
Minas Gerais usa a mão de obra de 477 mil jovens com idade entre 5 e 17 anos. São 13 mil crianças de 5 a 9 anos; 146 mil na faixa etária dos 10 aos 14; e 318 mil dos 15 aos 17 anos trabalhando. Segundo a Pnad, que investigou cerca de 150 mil domicílios em todo o país, a respeito de temas como emprego, educação, migração e rendimento, o Brasil ainda precisa de avanços consideráveis no combate ao trabalho infantil para conseguir cumprir, até 2015, as metas fixadas nos Objetivos do Milênio, pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Apesar de a exploração da mão de obra infanto-juvenil apresentar queda desde a década de 1990, o ritmo da redução em 2009 foi menor que em anos anteriores. Em todo o país, 202 mil jovens dos 5 aos 17 anos saíram do mercado de trabalho de 2008 para 2009, o que representa uma diminuição de 4,5%. No entanto, a queda no número de trabalhadores na mesma faixa etária foi mais intensa de 2007 para 2008, quando chegou a 7,6%. Outro agravante é que nem todas as regiões do Brasil registraram redução. No Nordeste, por exemplo, o número de adolescentes de 14 e 15 anos trabalhando subiu de 443 mil para 464 mil de 2008 para 2009, um aumento de 4,7% no período.
Os novos dados, mesmo alarmantes, não são motivo de desânimo para especialistas e autoridades, que apostam em avanços e melhorias na vida de crianças e adolescentes nos próximos anos. A coordenadora do Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, Elvira Melo Cosendey, não abandona o otimismo, mas cobra ações mais efetivas por parte do poder público. ?O Brasil se comprometeu a erradicar o trabalho infantil dos 5 aos 9 anos até 2015 e continuo acreditando que atingiremos essa meta. O maior problema está concentrado na faixa etária dos 14 aos 16 anos. Eles estão legalmente proibidos de trabalhar, mas sofrem com a carência de escolas em tempo integral, formação profissional, lazer, esporte e cultura. Ou seja, faltam investimentos e políticas públicas efetivas?, lamenta Elvira Melo.

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