Feminicídio é considerado crime hediondo que desde março de 2015 já motivou a abertura de 947 inquéritos em Minas, acompanhados pelo Ministério Público.

O número coloca o Estado entre os primeiros do ranking nacional e reúne tanto as mortes quanto as tentativas de assassinatos contra mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Envolve casos de violência doméstica e familiar, além do menosprezo e a discriminação de gênero.

Nessa quarta-feira (30), em Coromandel, no Alto Paranaíba, um homem matou a esposa a tiros depois de disparar contra o cunhado e a própria filha. Em seguida, ele cometeu suicídio. Segundo informações preliminares da Polícia Militar, o crime teria sido motivado por excesso de ciúmes.

Registros

O cenário, no entanto, pode ser ainda mais trágico uma vez que o feminicídio não é tipificado nos Registros de Evento de Defesa Social (Reds). Como consequência, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) não possui estatísticas que diferenciem os tipos de crime contra a mulher.

Ainda assim, os números contabilizados em Minas também chamam a atenção. De janeiro de 2015 até o último mês de julho, 941 mulheres foram vítimas de homicídio em Minas: o equivalente a uma mulher assassinada a cada dia nesse período.

Histórico

Em muitos casos, antes de serem mortas, as vítimas são alvo de agressões física, psicológica e até sexual, frequentemente no contexto doméstico e tendo o próprio parceiro como algoz. Foi esse o pesadelo vivido durante 20 anos pela servidora do Ministério Público, Lílian Hermógenes da Silva. Mesmo trabalhando na Promotoria de Defesa dos Direitos da Mulher, ela foi morta a mando do marido, em agosto de 2016, em Contagem, na Grande BH.

De acordo com as investigações, o crime aconteceu depois que Lílian rompeu a relação e foi morar com a mãe, a fim de dar um basta na situação de abusos. Insatisfeito, o marido contratou dois homens que abordaram a servidora em uma manhã, na ida para o trabalho, e a mataram com um tiro na cabeça.

“Nossa família ficou destruída. Só depois soubemos, pelos filhos, o quanto ele era violento em casa. Hoje vivemos uma situação de medo. Não temos uma vida de liberdade”, relata Rose Hermógenes, irmã de Lílian.

Mudanças

Especialistas avaliam que, passados mais de dois anos da criação da Lei do Feminicídio, pouca coisa evoluiu no campo das políticas de proteção à mulher. A advogada criminalista Carla Silene, diretora do Instituto de Ciências Penais (ICP), afirma que medida dificultou os pedidos de condenação para o crime. “(A lei) passou a exigir que o Ministério Público, para pedir a condenação de alguém pelo feminicídio, tenha que comprovar que o agente matou (a vítima) por ela ser mulher. Uma prova dificílima de ser feita”, explica.

Para Carla, a solução do problema passa pela melhoria da educação das novas gerações. “Se um Estado pretende, verdadeiramente, reduzir a violência contra a mulher, em todos os aspectos, ele deveria promover investimentos na educação e não na punição, mera e simplesmente”.

Tipificação do crime sem prazo para constar nas estatísticas

Os trâmites para que o crime de feminicídio passe a constar nas estatísticas da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) ainda não tem data prevista para conclusão. Hoje, apenas os dados do momento do registro da ocorrência são considerados pelo órgão. Por meio de nota, a Sesp informou que “não é possível classificar como feminicídio já que, para isso, é necessária a conclusão da investigação policial uma vez que a morte é motivada pelo fato da vítima ser mulher”.

A promotora Nívia Mônica Silva, que atua na Defesa dos Direitos Humanos no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), explica que uma nota técnica está sendo criada pelo órgão para orientar essa tipificação. A ideia, de acordo com a promotora, é ajudar a Polícia Militar a identificar, no local do crime, elementos que configurem o feminicídio. Para ela, essa possibilidade nunca pode ser descartada no caso de assassinatos de mulheres.
“Só vamos qualificar a intervenção se a gente identificar os crimes de feminicídio. A lei é relativamente recente. Não há um consenso”, avalia Nívia.

Procedimentos

Para a promotora Patrícia Hakaroum, da Justiça Especializada no Combate a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a falta de números exatos a respeito do feminicídio dificulta o combate ao crime. “Haverá maior dificuldade para ser investigado se não está identificado. O combate ao feminicídio exige uma visão de gênero, diferenciado da apuração dos crimes de homicídio”, diz.

O major Flávio Santiago, chefe da Sala de Imprensa da PM, explica que a lei não muda em nada o procedimento já adotado pela corporação. “A polícia isola o local para que a perícia faça os trabalhos de praxe. A codificação do crime acontece posteriormente”, afirma.

 

Fonte: Hoje em Dia ||

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