Os caminhos mais íngremes rumo ao topo da serra já exibem um ambiente quase sem vida, sombrio, com vegetação destruída e animais sob risco. Diariamente, o distante lugar se transformou numa espécie de segunda casa para a bibliotecária Bruna D’Angela Martins Ferreira, de 35 anos, que atua desde 2018 na Brigada Voluntária Carcará, responsável por inúmeros combates de incêndios em Ouro Branco, na Região Central do estado.

O triste cenário de destruição virou rotina no período mais seco do ano para ela e sua equipe. Ainda que exista disposição fora do comum, o cansaço mental e físico é perceptível aos olhos do grupo, por mais que o trabalho não tenha dia para terminar.

Situado na intersecção de três importantes bacias hidrográficas do estado – do Rio das Velhas, do Rio Paraopeba e do Rio Piranga -, o Parque Estadual de Ouro Branco conta com 7,5 mil hectares de extensão, dos quais 210,88 foram consumidos pelo fogo.

Neste ano, foram 12 queimadas de grandes proporções, sendo nove na área interna e outras três no entorno das unidades de conservação, de acordo com dados mais recentes do Instituto Estadual de Florestas (IEF). As chamas são visíveis para quem está na cidade e assustam aqueles que se arriscam durante horas para apagá-las.

E o pior: 99% delas são provocadas por descuidos ou pela ação humana, segundo o Corpo de Bombeiros.

Bruna é presidente da Carcará desde o fim do ano passado. Ao longo da trajetória, viu cobras e aves queimadas, além de lobo-guarás desesperados ao fugir do fogo. Com o tempo, as tristes cenas desgastaram a brigadista e a equipe:  “É muito cansativo. O acesso é difícil, porque há muita pedra. Temos que andar muito para chegar ao foco do incêndio. Quando há apoio do helicóptero, facilita o trabalho, porque ele deixa a gente bem próximo. Mas o local venta muito. Além do vento, o calor é nossa maior dificuldade”.

A brigadista se habituou a acordar cedo para chegar à missão. Por volta das 5h, a equipe está na ponta da serra a postos. Em muitas ocasiões, não há tempo para descansar, comer ou ir ao banheiro.

Além de controlar o fogo, os voluntários recolhem lixos deixados por turistas que visitam a região. Por mais que o desafio seja extenso, ela não imagina deixar o trabalho: “Não tenho medo, mas é perigoso. É uma adrenalina gratificante. Em dias de combate, a gente quase não dorme, porque o sangue fica muito agitado e nem conseguimos descansar. A gente deita e está quase na hora de levantar”.

A exemplo de Bruna, o professor de biologia Rodrigo Barbosa Teixeira, de 49, já viveu histórias e se mostra fatigado e indignado com tantos incêndios provocados pela ação humana. Ele entrou na Carcará há dois anos a convite de um amigo que já atuava numa das frentes. Como amante da fauna e da flora e profissional do ramo, aceitou rapidamente a missão.

Nesse tempo, já viveu situações embaraçosas e também quase perdeu os sentidos num combate: “Fiquei muito cansado e tive que ser resgatado, já que estava numa exaustão. Estávamos atuando num terreno íngreme, quando vimos o helicóptero deixar o lanche para os brigadistas. O líder da nossa equipe viu que eu estava exausto e me deu a possibilidade de voltar no helicóptero. Então, voltei e recebi os cuidados médicos. Fui para casa sem conseguir mexer o corpo”, conta.

Mesmo que tenha ficado revoltado com várias situações, Rodrigo diz que a maior motivação é seguir o trabalho com firmeza. Segundo ele, a conscientização é a melhor forma de evitar a destruição do meio ambiente: “É uma sensação de impotência, mas ao mesmo tempo é uma alavanca para continuarmos. A brigada tem sua função de prevenção e educação, além do combate. Em períodos que não são críticos, temos esse papel de desenvolver a população e aos poucos alterar a cultura do local”.

Por influência de pai, outro brigadista aprendeu a gostar da natureza e a se aventurar nos controles de incêndio. É o caso do desenvolvedor de softwares Rodrigo Luigi Orsini Silva, de 30 anos. A paixão começou quando ele era garoto. Mas, ao mesmo tempo, vieram os problemas e inúmeros percalços. “Combato incêndios há muito tempo. Quando volto para casa e vejo que a serra ainda pega fogo, fico muito triste. É um sentimento de que trabalhei, mas não adiantou nada”, lamenta.

Para o brigadista, a cena mais triste é quando a própria comunidade não colabora com os trabalhos. “A gente precisa do meio ambiente para captar água, usar as trilhas e as cachoeiras. É muito legal no fim de semana você ir para a cachoeira com a galera e tirar foto. Mas e o cuidado que temos de ter? Seria um dever de todas as pessoas. Temos uma dívida com o meio ambiente. Quanto mais os anos se passam, as coisas vão se degradando”, diz.

Com o longo tempo de trabalho, ele admite ter se esgotado, embora a missão esteja longe do fim: “Estou muito cansado. Tivemos sete dias de combate intenso e fogo começou a pegar próximo à área de mineração, atingiu a área de paredão e consequentemente desceu para a mata fechada. Depois de vários dias, tivemos um dia de descanso e o fogo pegou novamente. É muito complicado”.

Falta de apoio

A maioria das brigadas voluntárias lida com outros problemas, como a falta de equipamentos de proteção. Por falta de incentivo, os 30 voluntários da Carcará são obrigados a comprar botas, capacetes e roupas especiais.

Em várias ocasiões, são os próprios brigadistas que fabricam ferramentas de trabalho, como chicote e abafador, usando borracha de câmara de ar e mangueira de água de caminhão. Pessoas da comunidade também doam outras ferramentas para abrir picadas e ter acesso à mata fechada.

Bruna pede mais apoio, inclusive do poder público: “As pessoas deveriam dar mais apoio às brigadas. Fora a época de incêndio, nós plantamos árvores e fazemos trabalho sócio-ambientais. Acho que a comunidade e o setor público e privado deveriam nos apoiar mais, até porque o maior efetivo nos parques ambientais somos nós”.

Voluntário por vocação, espírito de combatente

Nem todo bombeiro usa farda. É o caso dos brigadistas voluntários, que, apesar de não pertencerem à corporação, carregam o espírito de combatente. É assim com o técnico de segurança Leandro Ozorio Madureira, de 43 anos, bombeiro civil desde 2016.

A preocupação com as vidas alheias e a preservação socioambiental o motivou a voluntariar nas horas vagas e nos períodos críticos de incêndio na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Trabalhei com o pessoal da Brigada BH, formei com a escola deles. Já apaguei muito incêndio. Em 2018, quando teve um incêndio grande no Rola-Moça, eu fui um dos voluntários. Foram dois dias seguidos bem estressantes. O fogo apaga, a gente acha que está controlado e não está”, relembra.

Mesmo depois de deixar a brigada voluntária por questões de trabalho, a reportagem encontrou Leandro na última terça-feira (21) dando o máximo de seu esforço ao tentar evitar que o fogo que atingia a mata no Bairro Taquaril, Região Leste de BH, se alastrasse.

“Eu tentei amenizar os impactos. É mais por uma questão voluntária mesmo. É um trabalho cansativo, a gente tem que subir e descer muitas vezes com balde de água. Mas é gratificante porque a gente tenta salvar alguma coisa”, explicou Leandro com suor no rosto.

Ele  lamenta o prejuízo deixado pelas cinzas. “Para voltar a crescer, a mata normalmente vai demorar. Eu faço um apelo a quem faz tentativa de colocar fogo em lixo achando que vai trazer benefício. Na verdade, está trazendo prejuízo para várias famílias que estão no entorno. Um fogo mal controlado, mal acendido, de forma aleatória, de forma irregular, está trazendo malefícios tanto para a fauna e flora quanto para seu vizinho, ou seu próprio familiar”, alerta.

Fonte: Estado de Minas

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