Em todos os lugares onde Hancock é lançado, seu primeiro fim de semana o coloca entre as melhores aberturas da temporada. Leitura superficial do fenômeno pode concluir que isso se deve ao fato de que o astro do filme, Will Smith, está na crista da onda depois de três sucessos consecutivos, Hitch, A procura da felicidade e Eu sou a lenda. O argumento pode funcionar nos Estados Unidos. Mas diversos povos do mundo, entre eles o brasileiro, são infiéis aos intérpretes, de modo que outra explicação para o fenômeno precisa ser encontrada por aqui. Bom caminho para investigar o sucesso local é o estudo de qual imagem os trêileres do filme transmitiram aos espectadores.
As peças publicitárias deixam implícito que Hancock pode agradar a pelo menos dois segmentos do público, os fãs da comédia e os apreciadores de filmes de ação. Essa abrangência, com certeza, tem ajudado a atrair gente em todos os lugares. O boca-a-boca também passa por aí: Hancock convence como drama mediano e tem uma história de amor que deve convencer a maioria dos espectadores.
A base de Hancock é um conjunto de questões divertidas que freqüentemente são apresentadas aos fãs de narrativas de super-heróis. Será que o Super-Homem tromba com pássaros? Como é a Mulher-Maravilha quando toma mais vinho do que deveria? Quem paga a conta dos danos que as lutas entre super-heróis e supervilões provocam? John Hancock (Will Smith) é praticamente invulnerável, tem superforça e pode voar. E tromba com gaivotas, vive alto de bebida e suas aterrissagens destroçam o revestimento das ruas. Todo mundo o detesta, menos o relações-públicas Ray (Jason Bateman), que decide ajudá-lo a construir uma imagem positiva.
A realização desse enredo é cheia de clichês. Hancock se livra de ficar igualzinho a outros filmes exatamente pela maneira como brinca com esses clichês, principalmente o fato de olhar com leveza para o protagonista, anti-herói por excelência. Destaca-se, ainda, pela maneira como lida com a pedagogia que geralmente as narrativas de super-heróis apresentam. A maioria das histórias do gênero vive um paradoxo: pressupõe que, para a justiça ser respeitada, é preciso desrespeitar algumas leis. Hancock, ao colocar esse paradoxo no centro da narrativa, trata exatamente desse desrespeito e da maneira como incomoda as pessoas. Separa, visual e dramaticamente, conceitos como uso de força e violência. Ao fazê-lo, consegue preservar a pancadaria que seu público tanto aprecia, sem transformá-la em elogio à agressividade.

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